“O impacto da Dívida Pública no Estado Brasileiro”, por Paulo Lindesay

Compartilhe:

Núcleo do Rio de Janeiro

O IMPACTO DA DÍVIDA PÚBLICA NO ESTADO BRASILEIRO

Por Paulo Lindesay – Diretor da ASSIBGE-SN/Coordenador da Auditoria Cidadã – Núcleo RJ

1 – INTRODUÇÃO

Na década de 70, durante o chamado “Milagre Econômico”, na ditadura cívico/militar, o capital financeiro rentista fez uma simbiose com os vários capitais, principalmente o capital produtivo, proporcionando a acumulação crescente da riqueza produzida pelos trabalhadores (as) e sociedade em geral, em nome do grande capital financeiro bancário, as grandes corporações transnacionais e a grande burguesia internacional e nacional.

Após a quebra da paridade ouro/dólar, em 15 de agosto de 1971, pelo ex-presidente americano, Richard Nixon, iniciou-se uma nova fase do grande capital financeiro especulador, denominada “financeirização da economia mundial “. Com ela, a acelerada concentração de renda e riqueza nas mãos dos 1% mais poderosos.

Entre 1969 e 1974, em pleno chamado “Milagre Econômico”, o Brasil vivenciou um dos maiores crescimentos econômicos da história. A média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chegou à casa de dois dígitos, 10,8% a.a, sendo o maior deles em 1973 – 14% (série histórica do PIB – agenciadenoticias.ibge.gov.br), mas com grande endividamento externo, financiando obras faraônicas do governo militar, com a participação das maiores empreiteiras do país. Isso não significou melhoria na qualidade de vida da população brasileira. Foi quando o todo poderoso ministro da Fazenda do governo militar, Delfim Neto, disse que o bolo precisava crescer para depois dividir. O bolo cresceu, chegamos a ser 6a economia do planeta, mas a nossa fatia desse bolo nunca chegou as nossas mãos.

No início da ditadura, em 1964, o saldo da dívida pública externa era pouco mais de US$ 3,2 bilhões, não havia quase dívida pública interna no Brasil. Em 1985, início da redemocratização do Brasil, o estoque da dívida externa chegou a US$ 105 bilhões.
Em 1973, o maior crescimento do PIB da nossa história – quatorze por cento (14%) – não representou melhoria na qualidade de vida da população brasileira. Continuamos na pobreza/miséria, com grandes concentrações de capitais nas mãos de poucos, principalmente dos bancos e das grandes corporações. O Brasil permaneceu como uma economia capitalista periférica, totalmente dependente do imperialismo estadunidense, com a pecha de nação subdesenvolvida.

O governo militar implantou o Plano de Ação Econômica do Governo-PAEG. Plano feito nos Estados Unidos, que está na origem das dívidas dos Estados brasileiros.

2 – Década de 80 – A chamada “Década Perdida”.

Na Década de 1980, a denominada “década perdida” (não para o grande capital), foi sentido o efeito dos juros flutuantes, que de 4% a 5% a.a. na década anterior passaram a mais de 20% a.a., constituindo-se em uma ilegalidade internacional, de acordo com a convenção de Viena, que proíbe uma significativa flutuação da taxa de juros. Essa ilegalidade ocasionou o crescimento exponencial das dívidas públicas, em diversos países pobres, levando à crise da dívida pública da década de 80.

O primeiro país a quebrar na América foi o México. O Brasil pede moratória, em 1987, no governo Sarney, não por medida corajosa de enfrentamento ao grande capital financeiro, mas por falta de dinheiro para pagar o serviço da dívida pública federal.

3 – Década de 90 – A década das Privatizações.

No início da década de 90, no governo Collor de Melo, iniciou-se o projeto de privatização do parque estatal brasileiro. O discurso dos dois presidentes, Collor e FHC era que “precisamos privatizar para pagar a dívida pública”. Grande parte do parque estatal brasileiro foi privatizado, mas o estoque da Dívida Pública Federal e dos Estados não diminuiu, e nem houve melhoria na qualidade da vida da população brasileira. Portanto uma dívida pública sem contrapartida.

Hoje o governo Bolsonaro, na figura do ministro da economia, Paulo Guedes, utiliza o mesmo discurso, precisamos “privatizar para pagar a DÍVIDA PÚBLICA”. O estoque da Dívida Pública Federal não para de crescer: o saldo em setembro de 2021 era de R$ 6,939 trilhões ou 83% do PIB dos últimos doze meses (R$ 8,365 trilhões). O estoque da Dívida Pública dos governos Estaduais com a União no âmbito da Lei 9.496/97, em setembro de 2021 era de R$ 552 bilhões ou 6,6 % do PIB. Apesar de um vultuoso pagamento de quase R$ 400 bilhões realizados pelos Estados à União, referente ao saldo da lei 9496/1997, o saldo não para de crescer.

Fonte: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasfiscais

Apesar de inúmeras privatizações das empresas estatais, no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) não entrou dinheiro novo no cofre do governo federal. Nesse período uma grande engenharia foi aplicada, em mais de 20 países do planeta, o chamado “PLANO BRADY”, que consistia em turbinar papéis – nulos ou desvalorizados – da dívida externa brasileira detidos por bancos privados e outros investidores, transformando-os em títulos valorizados. Títulos esses transformados em títulos globais, usados nas compras das nossas empresas estatais subvalorizadas. No primeiro ano da privatização, a Vale do Rio Doce obteve um lucro cerca de R$ 10 bilhões. Mais de três vezes o valor da privatização. Um verdadeiro negócio da China para os investidores, detentores da maioria das ações da empresa.

Com a financeirização da economia, no início da década de 70, o mercado financeiro rentista (especulador) e as grandes corporações fizeram uma simbiose, com objetivo de garantir lucros crescentes e contínuos. Essa associação entre o capital financeiro e produtivo vem garantindo as flexibilizações dos direitos trabalhistas, redução de postos de trabalhos, com avanço da automação, da robótica e da inteligência artificial, precarização das relações trabalhistas, com a consequência redução salarial. Principalmente com as aprovações das contrarreformas previdenciária, trabalhista, emenda constitucional n0 95, o chamado teto de gasto e agora, a pseudorreforma administrativa – PEC 32. Enquanto isso os prejuízos são incorporados ao estoque da dívida pública federal e dos Estados, com aumento exponencial, apesar dos pagamentos executados sem atraso em favor do serviço da Dívida Pública (Juros, Amortização e Refinanciamento) a cada ano.

4 – Outro elo importante no desmonte do federalismo Brasileiro, na década de 90 –
Lei Complementar nº 87/1996
 a chamada lei Kandir

Um dos principais pilares do governo de FHC, na década de 90, que garantiu a política de exportação brasileira, foi a lei complementar nº 87/1996à chamada lei Kandir.

Lei essa que isenta as empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados (commodities) do pagamento do principal imposto estadual, o ICMS. De acordo com a lei, haveria uma compensação futura através da transferência obrigatória da União, mas que na prática se mostrou insuficiente. Enquanto isso as empresas deixaram de pagar aos Estados, a título de ICMS, cerca de R$ 637 bilhões, de acordo com dados do Tesouro Nacional. A estimativa, até dezembro de 2020, é de que esses valores chegaram a R$ 800 bilhões. No mesmo período, a União repassou aos Estados, a título de compensação das perdas da Lei Kandir, pouco mais de R$ 45 bilhões. Atualizando os valores pelo IGP/DI, a preço de jun./2018 (conforme cálculos do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz – GT 08), isso representa apenas cerca de 6% do total devido pela União aos Estados.

https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/transferencias-a-estados-e-municipios

Fonte: Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz – GT 08). Valores em R$, atualizados pelo IGP/DI, a preço de Jun/2018 (1996 =média do IGP/DI de set/dez

Em maio de 2020, o plenário do STF homologou o acordo de compensação das perdas de arrecadação decorrentes da desoneração das exportações sobre o ICMS, pela lei Complementar n.87/1996, a chamada lei Kandir, entre os Estados e a União. A União deverá repassar aos entes federados pelo menos R$ 65 bilhões, em dezessete (17 anos) anos, entre 2020 e 2037, enquanto a dívida a pagar é de R$ 637 bilhões. Um verdadeiro roubo, ou pior, uma renúncia de receitas públicas, sem consultar a população brasileira. O STF teria essa prerrogativa?

O governo Bolsonaro também aprovou a lei complementar n0 176/2021, que institui transferências obrigatórias da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por prazo ou fato determinado e declara atendida a regra de cessação contida no § 2º do art. 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), ratificando o acordo proposto pelo STF, a União e os entes federativos.

Você considera renunciar cerca de R$ 572 bilhões de dívida da lei Kandir, para receber R$ 65 bilhões, em dezessete (17) anos, um acordo, ou um roubo? Agora você entende porquê a crise financeira na maioria dos entes federados é uma crise fabricada, que vai além da corrupção e da má governança?

O governo Bolsonaro, para beneficiar ganhos cada vez maiores, direcionados às empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados, aprovou a PEC 186, a chamada PEC emergencial, agora emenda constitucional n0 109/2021, que revogou o
Art. 91 da ADCT, acabando com a obrigação da União de garantir a perda das receitas de ICMS aos Estados, DF e Municípios. Mas não anulou a lei Kandir, que continuará produzindo efeitos nefastos na economia dos entes subnacionais, com as isenções de ICMS, privilegiando as empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados. Que exportam em dólares, euro, iene, e ainda tem isenções de ICMS.

5- SISTEMA DA DÍVIDA

O termo “Sistema da Dívida” foi criado por Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã, baseado no modelo econômico neoliberal. Este sistema está voltado para a concentração de renda; privilégio ao pagamento da Dívida Pública; metas de superavit primário e de inflação; juros excessivamente elevados; arrocho salarial; contingenciamento de gastos sociais e supressão de direitos trabalhistas; aprovação de contrarreformas neoliberais, privatizações das empresas estatais e das riquezas; aplicação de um sistema tributário regressivo, que garante benesses ao grande capital financeiro rentista e às grandes corporações; falta de controle de capitais, câmbio flutuante, endividamento público sem limites e sem contrapartidas, o que impede o verdadeiro desenvolvimento socioeconômico.

O chamado sistema da dívida brasileira consumiu nos últimos anos, dos cofres públicos federais, diariamente, em média, cerca de R$ 3 bilhões (1).

Em 2020, o total executado da Despesa Geral da União foi R$ 3,535 trilhões. Desse total, R$ 1,381 trilhão foram destinados ao do Serviço da Dívida Pública, ou 39,09%, ou R$ 3,7 bilhões diários. Enquanto o valor do orçamento empenhado à Gestão Ambiental foi de R$ 4,7 bilhões, o governo Bolsonaro só executou cerca de R$ 3,4 bilhões ou 0,09% da Despesa Geral da União. Como implantar uma política ambiental sem orçamento robusto? Um dia de pagamento com a Dívida Pública Federal quase equivale ao orçamento anual da GESTÃO AMBIENTAL.

DESPESA GERAL DA UNIÃO – 2020 – R$ 3,535 trilhões

6 – CRISE AMBIENTAL FEDERAL

O meio ambiente equilibrado é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal (2). Trata-se de um direito transgeracional, ou seja, que vai além dos limites dos indivíduos, vai além até dos limites dos coletivos, pois o direito deve assegurado e preservado para as atuais e futuras gerações.

O termo “meio ambiente” é definido pela Lei 6938/81, como “um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Como se observa, trata-se de elementos de difícil visualização ou quantificação, o que torna a sua proteção um desafio.

Por ter essa característica abstrata e difusa, a proteção do meio ambiente acaba tendo a atuação dos agentes públicos como fundamental, investidos na figura dos órgãos responsáveis por fomentar a política ambiental e por fiscalizar a atuação da atividade econômica.

Observa-se na figura 1 a evolução da quantidade de agentes ambientais federais ao longo dos anos de 2010 a 2019, evidenciando-se significativo declínio da quantidade de servidores públicos durante todo o período.

Figura 1 – Evolução – número de Agentes Ambientais Federais (3)

Na figura 2, é apresentado o gráfico com valores da função “gestão ambiental” previstos em Lei Orçamentária Anual, segundo dados obtidos do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), atualizado monetariamente pelo IGP-DI, da FGV, evidenciando que a proposta para o atual ano de 2020 é o menor dos últimos 20 anos.

Além disso, é apresentada a quantidade de infrações expedidas pelo IBAMA, cujos dados do ano de 2019 demonstram ser os menores da história.

Figura 2 – LOA – Ministério do Meio Ambiente 2000 a 2020 – n° de autos de infração (4)

7 – CENÁRIO ATUAL DE RESTRIÇÕES ORÇAMENTÁRIAS

O atual cenário de restrições orçamentárias influencia diretamente nas políticas públicas, principalmente a partir da aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que colocou um teto de gasto somente na metade da Despesa Geral da União. Primeiramente, precisamos esclarecer alguns conceitos básicos. O Orçamento Geral da União é dividido em duas partes:

1) Orçamento financeiro, onde reside o gasto com o serviço da dívida pública e as dívidas financeiras;

2) Orçamento primário, onde efetivamente reside o Estado social brasileiro, que financia as políticas públicas de Educação, Saúde, Saneamento Básico, Meio Ambiente. C&T etc.

O que muitas pessoas não têm conhecimento é que a Emenda Constitucional 95/2016 impôs um teto de gastos, por vinte (20) anos, somente no orçamento primário da União, mas, em contrapartida, liberou o gasto com o orçamento financeiro, onde reside a dívida pública, no mesmo período. Isso só foi possível graças à fraude constitucional do artigo 166, § 3º, inciso II, alínea “b”, que garante o privilégio ao pagamento do serviço da dívida, sem dotação orçamentária e sem limite.

Quando a Emenda Constitucional 95/2016 foi aprovada, ela colocou uma trava por 20 anos, somente no GASTO PRIMÁRIO DA UNIÃO, podendo sofrer atualização pelo IPCA/IBGE, do ano anterior. Mas o gasto com a DÍVIDA PÚBLICA não tem limite e nem dotação orçamentária. Esse privilégio está garantido no Art. 166, parágrafo 3, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal. Confira!!!

Se a previsão inicial da Lei Orçamentária Anual (LOA/2021), proposta pelo governo Bolsonaro e aprovada pelo Congresso Nacional, for executada, teremos um gasto com o Serviço da Dívida Pública Federal, na ordem de R$ 2,236 trilhões ou 26,99% do PIB brasileiro (R$ 8,287 trilhões) dos últimos 12 meses. Enquanto o gasto considerado excessivo pelo governo Bolsonaro, com PESSOAL/ENCARGOS SOCIAIS, cairá de 4,36% do PIB, em 2020, para 3,64% do PIB, em 2021. Podemos constatar que esse gasto excessivo com Pessoal/ Encargos Sociais é pura falácia!!!

Em 2020, o gasto executado com o pagamento da Dívida Pública Federal foi cerca de R$ 1,381 trilhão. Já a previsão para 2021, será na ordem de R$ 2,236 trilhões. Em relação a 2020, haverá um crescimento de gasto, em favor da Dívida Pública Federal, cerca de R$ 855 bilhões. Como o presidente Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, que afirmam que o Brasil está quebrado, pode realizar um pagamento dessa monta? 

Diante dos números oficiais do governo Bolsonaro, você ainda acredita que o gasto EXCESSIVO DO GOVERNO FEDERAL reside nos gastos com o SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL, a ponto de propor uma Reforma Administrativa (PEC 32), com tamanha urgência? Ou o principal problema da Nação Brasileira reside no PAGAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA ILEGÍTIMA, ILEGAL E ODIOSA?

8 – BRASIL ESTÁ OU NÃO QUEBRADO?

Primeiramente o governo Bolsonaro, a grande mídia e os analistas de plantão precisam explicar como um país que tem no seu cofre, cerca de R$ 4,797 trilhões, em três fontes, pode estar quebrado?

DINHEIRO NO CAIXA DO GOVERNO BOLSONARO:

1 – Operações Compromissadas ou sobra de caixa dos bancos depositada no Banco Central – R$ 1,130 trilhão;

2 – Saldo na Conta Única do Tesouro – R$ 1,592 trilhão

3 – Saldo na Reserva Internacional em setembro de 2021 – US$ 368 bilhões
(dólar R$ 5,64) ou R$ 2,075 trilhões.

https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasfiscais

https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/reservasinternacionais

A previsão de gasto com o pagamento do serviço da Dívida Pública Federal, em 2021, crescerá de 39,09%, em 2020, para cerca de 53% do Fundo Público Federal. A Dívida Pública é uma das principais ferramentas do grande capital financeiro para capturar o Estado brasileiro, seus entes subnacionais (Estados, DF, Municípios) e toda população brasileira, em favor da garantia de lucros crescentes e vitalícios. 

O orçamento primário, onde verdadeiramente reside o Estado Social brasileiro, composto por diversas funções primárias (Educação, Saúde, Assistência Social, Previdência Social, gasto com Pessoal, Cultura etc.) está sujeito a cortes, enquanto o gasto com a Dívida Pública não tem limite, e não para de crescer.

A Auditoria Cidadã da Dívida nunca afirmou que a dívida pública e as emissões de moedas não devem ser usadas como ferramenta de gestão do Estado. O que a Auditoria Cidadã afirma e defende é que haja contrapartidas em investimentos diretos em infraestruturas e em serviços públicos, para justificar essas emissões, com objetivo de melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro. O que podemos ratificar, a partir dos dados oficiais, é que essas emissões de títulos da dívida pública e moeda tem servido para garantir crescentes lucros crescentes e vitalícios aos banqueiros e as grandes corporações e não para melhorar a qualidade de vida da população brasileira.

O problema do Brasil não é falta de recursos financeiros públicos, mas a sua destinação. O governo tem anunciado recordes e mais recordes de arrecadação em impostos federais. Portanto, emitir moeda para pagar dívida ilegal, ilegítima e odiosa é a mesma coisa que defender abertamente a concentração de renda, a corrupção ou as desonerações abusivas para os muitos ricos.

Em 2020, o gasto com a Dívida Pública Federal foi cerca de R$ 1,381 trilhão ou R$ 3,7 bilhões diários ou 39,09% da Despesa Geral da União. Já a previsão de gasto com a Dívida Pública Federal, para 2021, aprovada pelo Congresso Nacional, a pedido do governo Bolsonaro, foi cerca de R$ 2,236 trilhões ou R$ 6,1 bilhões diários ou 53% da Despesa Geral da União.

A dotação atual para Despesa Geral da União, em 2021, do governo Bolsonaro, é de R$ 4,3 trilhões. O valor empenhado até o momento foi de R$ 3,7 trilhões e o valor executado até a presente data foi de R$ 3,4 trilhões. Desse total, R$ 1,919 trilhão ou 55,98% foram executados em favor da Dívida Pública Federal, enquanto o gasto restante foi reduzido para R$ 1,5 trilhão da Despesa Geral da União.

Com a concretização da Lei Orçamentária Anual – LOA/2021, o gasto com a Dívida Pública Federal Interna Bruta, será de R$ 2,236 trilhões ou 53% da Despesa Geral da União. Haverá um crescimento percentual, em favor do pagamento da Dívida Pública Federal de 13,91%, em relação a 2020. Enquanto o restante do Orçamento da União será reduzido de 61,91%, da Despesa Geral da União, em 2020, para 47%, da Despesa Geral da União, em 2021. Como o dono do banco BTG Pactual, André Esteves, disse no áudio vazado da sua fala, o governo Bolsonaro foi o único que conseguiu alterar a relação entre Dívida Pública Federal e Orçamento Primário. O gasto com a Dívida Pública Federal (R$ 2,232 trilhões ou 53%) será muito maior que o restante do Orçamento da União (R$ 1,911 ou 47%), em 2021. Isso significa que a boiada está passando, mesmo sem a aprovação da Reforma Administrativa – PEC 32.

Após a aprovação do chamado ORÇAMENTO DE GUERRA, PEC 10 – EMENDA CONSTITUCIONAL n.0 106/20, em maio de 2020, o governo federal, em pouco mais de 12 meses, até maio de 2021, emitiu cerca de R$ 767 bilhões de títulos da dívida pública, com uma média mensal de cerca de R$ 63,91 bilhões. O estoque da Dívida Pública Federal Interna Bruta, entre maio/2020 e set/2021, pouco mais de 1 ano e 5 meses, aumentou de R$ 5,929 trilhões para R$ 6,939 trilhões. Como justificar o crescimento de emissões de títulos públicos federais, dessa monta, em cerca de R$ 1,010 trilhão, em 17 meses, sem melhoria de serviços públicos, com a Educação, Pessoal, Saúde, C&T, Saneamento, Cultura etc.?

Em 2016, o governo TEMER aprovou a emenda constitucional n0 95, a chamada emenda do ajuste fiscal, colocando um teto por 20 anos. Mas, somente no Orçamento Primário, onde reside a Educação, Saúde, Previdência e Assistência Social, C&T, Cultura etc. Liberando pelo mesmo período o gasto com a Dívida Pública Federal. Ano após ano a Dívida Pública vem capturando quase a metade do fundo público em benefício do grande capital financeiro rentista e as grandes corporações.

Farei uma comparação entre os anos 2020 e 2021, para que possamos analisar a relação de gasto da Despesa Geral da União, o Orçamento Primário e o pagamento do Serviço da Dívida Pública. Do total da Despesa Geral da União executada em 2020 no valor de 3,535 trilhões de reais, cerca de 2,154 trilhões de reais ou 61,91%, foi gasto principalmente com o Orçamento Primário da União. Já o gasto com o Serviço da Dívida Pública foi cerca de 1,381 trilhão de reais ou 39,09%.

Em 2020, o governo Bolsonaro executou ao SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL (Juros + Amortização + Refinanciamento) cerca de R$ 1,381 trilhão. Desse total cerca de R$ 132 bilhões foram gastos com pagamento de CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIARIA (Títulos Públicos), em 2020. No mesmo período o gasto com a SAÚDE, foi de R$ 150 bilhões, apesar da pandemia da COVID-19. O governo Bolsonaro gastou mais com pagamento de juros da Dívida Pública Federal Interna, cerca de R$ 346 bilhões, mais que o dobro do orçamento da Saúde, apesar da pandemia da Covid-19. Importante ressaltar que este valor de juros divulgado pelo governo ainda é subestimado, dado que grande parte dos juros é contabilizada como sendo “atualização monetária”, e jogada para a rubrica de “amortização” ou “rolagem”.

Entre janeiro de 2018 e julho 2021, pouco mais de três anos e dez meses, o governo TEMER E BOLSONARO pagaram a título de Correção Monetária e cambial cerca de R$ 508 bilhões (2018 = R$ 96 bilhões + 2019 = R$ 88 bilhões + 2020 = R$ 132 Bilhões + julho/2021 = R$ 192 bilhões). Diante desses valores, alguém em sã consciência pode afirmar que refinanciamento e rolagem não tem custo?

https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/despesas-da-uniao-series-historicas/2019/11

9 – Plano de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro. Solução ou Tragédia?

O chamado Plano de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro é a consagração absoluta da falência do Estado por meio de uma crise financeira fabricada. Com dificuldades em cumprir as condicionalidades exigidas no programa draconiano, ao final de três anos, em agosto de 2020, o saldo do RRF chegou a R$ 61 bilhões, que foram incorporados a dívida financeira do Estado do Rio de Janeiro. Entre setembro de 2017 e agosto de 2020, os valores do programa da lei 9496/97 (R$ 33 bilhões), Bacen/Banerj (R$ 9,4 bilhões) e Honra de Aval (R$ 18 bilhões), foram apartados e atualizados na chamada “CONTA GRÁFICA 1” e ao final desse período, incorporados ao principal dá dívida financeira do Estado do Rio de Janeiro.

Em setembro de 2020 houve a retomada progressiva do pagamento dos valores apartados na CONTA GRÁFICA II, no saldo inicial de R$ 21 bilhões e m maio de 2021, esse saldo já chegou a cerda de R$ 31 bilhões. Qual será o saldo a pagar ao final do prazo do novo Regime de Recuperação Fiscal?

O estoque da dívida financeira do Estado do Rio de Janeiro em outubro de 2020 chegou a cerca de R$ 187 bilhões. Mais de três vezes a Receita Corrente Líquida estadual (R$ 57 bilhões). Um verdadeiro desmonte do Estado, caminhando para o fim do federalismo como conhecemos.

CONTA GRÁFICA I – REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL – RELATÓRIO ANUAL SETEMBRO DE 2017 A AGOSTO DE 2020.

CONTA GRÁFICA II – PERÍODO DE RETOMADA PROGRESSIVA DOS PAGAMENTOS – SETEMBRO DE 2020 A OUTUBRO DE 2020.

https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/plano-de-recuperacao-fiscal-do-estado-do-rio-de-janeiro/2019/30

Em consequência dessa situação, o Estado do Rio de Janeiro perdeu sua total autonomia financeira, administrativa e política. Todas as suas contas públicas, sobretudo as de pessoal, estão sendo comprimidas ao limite e monitoradas pelo Conselho de Supervisão do Plano de Recuperação Fiscal, criado pela lei complementar, n0 159/2017, composta por um membro do Ministério da Fazenda, um dos órgãos de fiscalização e um do estado. O conselho de supervisão RRF tem mais poder de veto que o governador e os deputados. As receitas das possíveis privatizações das empresas estatais estaduais, que foram colocadas como garantia do não pagamento, não serão aplicadas em benefício da população ou em infraestrutura no estado, mas obrigatoriamente ao pagamento do serviço da dívida pública.

Tudo é feito em benefício do pseudo ajuste fiscal federal, imposto pela emenda constitucional n0 95/2016, que privilegia o pagamento da dívida pública. Os recursos líquidos correspondentes ao serviço da dívida dos Estados se destinam ao pagamento da dívida pública federal. Na prática, todos os esforços fiscais dos governos estaduais são consumidos pela financeirização da economia, isto é, não para gerar gastos reais e investimentos, mas para pagamento de juros e amortização de uma dívida pública questionável, que não financia a economia real nem a geração de emprego.

A opinião pública, impressionada com o massacre midiático sobre corrupção, pensa que a crise fluminense se deve simplesmente aos roubos de Sérgio Cabral, Pezão e Witzel. Puro engano. O que foi desviado por esses meliantes é uma fração mínima do assalto aos cofres público. A principal corrupção é a praticada pelo governo federal, em nome do setor financeiro rentista. Com endividamento crescente a partir de uma dívida ilegal, ilegítima, imoral e hedionda. Cuja incorporação foi imposta aos Estados a partir da aprovação da lei n0 9496/1997, que renegociou uma dívida, praticamente nula, no valor de R$ 112 bilhões. Em mais de 20 anos pagamos quase R$ 400 bilhões e saldo atual a pagar é a inacreditável cifra de R$ 551 bilhões. Um verdadeiro saco sem fundo.

A distorção financeira constatada na relação entre governo federal, estaduais e municipais devem ser entendidas como ato de subordinação dos entes federativos ao sistema financeiro global. O que sempre esteve em jogo, desde o início desse processo, foi a financeirização da economia brasileira mediante a ampla bancarização e a securitização de dívidas ativas ou não. Em 1996, o então governador do Rio de Janeiro, Marcelo Alencar tomou emprestado junto a CEF duas linhas de créditos no valor total de R$ 180 milhões, sob garantia da União. A primeira no valor de R$ 120 milhões, para pagar décimo terceiro a servidores estaduais, de 1995 e a segunda no valor de R$ 60 milhões destinados ao programa de demissão voluntária (PDV) para cumprir imposição do FMI, e outras condicionantes de enxugamento forçado do Estado.

O Estado do Rio de Janeiro passa por situação anunciada de “crise” que vem impactando o funcionamento do Estado, ocasionando severas dificuldades na prestação de serviços públicos essenciais, com possibilidade de total colapso na segurança pública, saúde, educação, mobilidade e na gestão ambiental, chegando a decretar Estado de Calamidade Pública.

10 – CONCLUSÃO

Diante desses ataques ao Meio Ambiente e ao Estado brasileiro e os entes subnacionais, o Núcleo da Auditoria Cidadã do Rio de Janeiro, propõe desencadear um processo que permita:

  1. Rever a política monetária que fabricou a crise, derrubou o PIB e reduziu a arrecadação tributária;

  2. Parar de aumentar a DÍVIDA PÚBLICA sem contrapartida em investimentos, de forma inconstitucional, para pagar juros (que são contabilizados como se fosse amortização), sem compartida de investimentos em serviços públicos e infraestrutura do país;

  3. Revogar a Emenda Constitucional n0 95/2016 e a Emenda Constitucional n0 109/2021, que limitam o crescimento do Orçamento Primário, ao índice do IPCA, do ano anterior;

  4. Tributar distribuição de lucros e grandes fortunas: os 26 mil maiores declarantes do IRPF com renda mensal superior a 320 salários-mínimos e patrimônio superior a R$ 50 milhões tiveram a maior parte de sua renda ISENTA DO IRPF (renda anual de R$ 7,5 milhões/cada totalmente isenta!) Fonte:http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/estudo-gn-irpf-ac-2016-excel.xlsx – Tabela 9

  5. Reunir pessoas interessadas em discutir o tema da Dívida Ecológica;

  6. Cumprir o Art. 26 dos ADCT – AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA com participação cidadã.

1 Auditoria Cidadã da Dívida – DIVIDÔMETRO

2Constituição da República Federativa do Brasil, art. 225:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

3 Ministério‌ ‌Público‌ ‌Federal‌ ‌-‌ ‌‌RECOMENDAÇÃO‌ ‌n.º‌ ‌7‌ ‌/2019‌ ‌–‌ ‌4ª‌ ‌CCR‌

4 Fonte‌ ‌de‌ ‌consulta:‌ ‌Lei‌ ‌Orçamentária‌ ‌Anual‌ ‌-‌ ‌SIOP:‌ ‌‌Sistema‌ ‌Integrado‌ ‌de‌ ‌Planejamento‌ ‌e‌ ‌Orçamento‌;‌ ‌Atualização‌ ‌monetária‌ ‌(BACEN):‌ Calculadora‌ ‌do‌ ‌cidadão‌‌ ‌(índice‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌correção:‌ ‌IGP-DI;‌ ‌data‌ ‌inicial:‌ ‌01/ano‌ ‌de‌ ‌referência;‌ ‌data‌ ‌final:‌ ‌02/2020‌ ‌-‌ ‌último‌ ‌índice‌ ‌disponível‌ ‌até‌ ‌a‌ ‌elaboração‌ ‌desta‌ ‌nota);‌ ‌Quantidade‌ ‌de‌ ‌autos‌ ‌de‌ ‌infração:‌ ‌‌Dados‌ ‌Abertos‌‌ ‌-‌ http://www.dados.gov.br/‌ Volume‌ ‌I‌ ‌-‌ ‌Texto‌ ‌da‌ ‌Lei,‌ ‌Quadros‌ ‌Consolidados,‌ ‌Detalhamento‌ ‌da‌ ‌Receita‌ ‌e‌ ‌Legislação‌ ‌da‌ ‌Receita‌ ‌e‌ ‌da‌ ‌Despesa‌ ‌-‌ ‌Anexo‌ ‌II‌ ‌- Despesa‌ ‌dos‌ ‌Orçamentos‌ ‌Fiscal‌ ‌e‌ ‌da‌ ‌Seguridade‌ ‌Social‌ ‌por‌ ‌Órgão‌ ‌Orçamentário‌ ‌do‌ ‌PL‌ ‌nº‌ ‌22/2019-CN‌ disponível‌ ‌em‌ ‌no‌ ‌site‌ ‌da‌ ‌câmara – ‌‌link‌ / Autos de infração – link