Organização de Frente Parlamentar para Auditoria da Dívida Pública

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Leia, abaixo, uma carta que estamos enviando aos parlamentares, propondo uma Frente Parlamentar para Auditoria da Dívida Pública. O documento também pode ser baixado aqui.

Exmo(a). Sr(a). Parlamentar,

A Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação sem fins lucrativos, que congrega diversas organizações – sindicatos, associações de classe, órgãos eclesiásticos e movimentos sociais – e militantes que se dedicam a investigar o endividamento público brasileiro, devido ao enorme impacto desse processo sobre o atendimento aos direitos sociais em nosso país. A entidade surgiu imediatamente após a realização do grande Plebiscito Popular da Dívida Externa no ano 2000, quando 6 milhões de cidadãos, em 3.444 municípios brasileiros, disseram NÃO à manutenção do acordo com o Fundo Monetário Internacional, à continuidade do pagamento da dívida externa sem a realização da auditoria prevista na Constituição Federal e à destinação da maior parte dos recursos orçamentários a especuladores.

A partir de então, tiveram início diversas atividades que buscam fortalecer a luta pela auditoria da dívida prevista na Constituição Federal – art. 26 do ADCT – e até a presente data não realizada.

Uma das mais significativas conquistas dessas mobilizações em nosso país foi certamente a realização da Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados, de agosto/2009 a maio/2010, da qual participamos institucionalmente, prestando assessoria técnica à CPI. O convite decorreu de nossa participação oficial na Comissão de Auditoria da Dívida Equatoriana (2007/2008), cujos trabalhos resultaram na anulação de cerca de 70% da dívida externa em títulos (bonos global 2012 e 2030) daquele país.

A motivação essencial da luta da Auditoria Cidadã da Dívida consiste na revisão do processo de endividamento brasileiro, cujo ciclo atual teve início durante a ditadura militar nos anos 70, e desde então vem submetendo o País por meio de planos de ajuste fiscal e outras medidas correlatas que aprofundam continuamente as desigualdades sociais em nosso país. Lutamos pela realização de completa auditoria desse processo, para que todas as ilegalidades e ilegitimidades possam ser segregadas e devidamente repudiadas.

As investigações já realizadas indicam que o endividamento público deixou de ser um instrumento de financiamento do Estado e se transformou em um mecanismo meramente financeiro, sem contrapartida real em bens e serviços, funcionando como um veículo de contínua subtração de recursos em benefício principalmente do setor financeiro privado. É o que denominamos Sistema da Dívida. A operação desse sistema tem submetido a maior parcela da população, que permanece carente de direitos sociais básicos, dependentes de prestações estatais hoje limitadas pelo fato de a dívida pública consumir quase a metade do Orçamento Federal.

A seguir, sintetizamos alguns dos argumentos que justificam a atuação dos parlamentares nessa questão:

– As despesas com o serviço da dívida (juros mais amortizações, inclusive o refinanciamento), consumiram, somente no ano de 2014, 45,11% do Orçamento Geral da União, enquanto para a saúde foram destinados apenas 3,98%, para a educação 3,73% e para assistência social 3,08%. É evidente o privilégio à dívida pública, detida principalmente por grandes bancos, em detrimento do cumprimento dos direitos sociais básicos estabelecidos constitucionalmente:

Orçamento Geral da União 2014 (Executado) Total = R$ 2,168 trilhão

    • Orçamento 2014 - executado

Fonte: SIAFI / Elaboração: AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA

– As taxas de juros estão se elevando aceleradamente e a proposta orçamentária para 2015 enviada pelo governo federal ao Congresso reserva mais 47% dos recursos para despesas de juros e amortizações da dívida.

– O princípio da vedação do retrocesso social, consagrado pela ordem jurídica internacional (conforme se depreende do General Comment n. 03, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), vem sendo continuamente descumprido pelo Estado Brasileiro, que tem contingenciado gastos sociais (em especial os previdenciários), para cumprir a chamada meta de superávit primário. A dívida, portanto, cumpre um papel determinante na restrição à destinação de recursos às já tão carentes áreas sociais.

– O descumprimento, desde 1988, do art. 26 do ADCT (que prevê a realização de auditoria da dívida por meio de comissão mista no Congresso Nacional) viola preceito fundamental (conforme ADPF 59 impetrada pela OAB junto ao STF), além de diversos princípios, especialmente o da transparência. A população brasileira, que tem arcado com o pesado pagamento dessa dívida “pública”, sequer conhece a sua contrapartida, ou os credores que recebem os onerosos juros sobre juros.

– O Sistema da Dívida tem sido o responsável pela subtração de recursos orçamentários – mais de 40% do orçamento da União, a cada ano, além de afetar também os orçamentos de estados e municípios – e também pela contínua entrega de patrimônio por meio das privatizações. O Brasil, que sequer possui hoje um patamar apropriado de desenvolvimento humano, está correndo o risco de sofrer novas depressões econômicas, que terão devastador efeito sobre a maior parcela da população. É urgente a revisão histórica e o controle efetivo e cidadão para estancar os nocivos efeitos desse endividamento. O primeiro passo é o aprofundamento das investigações que permitirão o conhecimento baseado em documentos e provas, mediante a realização de uma auditoria integral e com participação cidadã.

Diante do exposto, solicitamos o empenho de V. Exa. para a organização de uma FRENTE PARLAMENTAR PARA AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA.

Certos da sua pronta atenção ao nosso pedido, nos colocamos à disposição para contribuir para o seguimento dos trabalhos dessa Frente.

Atenciosamente,

MARIA LUCIA FATTORELLI

Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida