Pobreza cai mais onde crescimento foi menor

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A Agência Câmara noticia que a Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 555/2006 aprovou o fim da contribuição dos servidores públicos inativos. Conforme comentado na edição de ontem desta seção, esta contribuição havia sido instituída pela Reforma da Previdência de 2003, imposta pelo FMI, prejudicando os servidores para “economizar” em 30 anos uma quantia (R$ 56 bilhões) equivalente a menos de dois meses de pagamento da dívida pública.

Diversas entidades representativas dos servidores públicos estiveram presentes na sessão de votação, o que foi fundamental para que a Comissão aprovasse o fim da contribuição. Parlamentares também se manifestaram, mostrando que o verdadeiro rombo das contas públicas é a dívida pública, que consumiu R$ 380 bilhões em 2009, quantia esta 190 vezes superior ao alegado prejuízo do governo com o fim da contribuição.

Ainda assim, devido às pressões da base do governo, a proposta aprovada não extinguiu completamente a contribuição, mas a reduziu para servidores acima de 60 anos, em 20% a cada ano, de modo que aos 65 anos os servidores não mais tenham de pagá-la. Ou seja: o governo insiste em fazer ajuste fiscal em cima do servidor público.

A PEC 555 ainda terá de ser votada em dois turnos pelo Plenário da Câmara e pelo Senado.

Os jornais de hoje divulgam estudo do IPEA, segundo o qual, de 1995 a 2008, 13 milhões de pessoas teriam deixado a pobreza (renda per capita de menos de meio salário mínimo). Tais dados poderiam dar a entender que a política econômica estaria no rumo certo, mesmo destinando a maior parte do orçamento ao pagamento da dívida.

Porém, em primeiro lugar, cabe ressaltar que, segundo os dados da pesquisa, a pobreza ainda atinge 54 milhões de brasileiros, o que é inadmissível para um país com tantas riquezas como o Brasil. Continuando-se no ritmo atual – ou seja, retirando da pobreza um milhão de pessoas por ano – seria necessário ainda mais de meio século para acabar com a pobreza no Brasil.

Em segundo lugar, cabe comentarmos que tudo depende da linha de “pobreza” escolhida. Se analisarmos estudo semelhante feito pelo IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), cujas linhas de pobreza e indigência são calculadas para cada lugar do país (dependendo dos preços e hábitos de consumo vigentes em cada região), verificamos que no mesmo período (1995 a 2008) o número de pobres caiu somente 7,6 milhões, valor bem abaixo dos 13 milhões encontrados pelo IPEA.

Na realidade, a renda média recebida pelos brasileiros em 2008 ainda está menor que em 1998, conforme mostra a PNAD/IBGE – Tabela 8.1.2. Isto indica que a política econômica e os programas sociais assistencialistas – como o Bolsa Família – permitem que as pessoas ultrapassem determinada linha de pobreza, gerando-se os resultados encontrados na pesquisa do IPEA. Porém, o conjunto geral dos trabalhadores ainda se encontra em uma situação pior que em 1998.

Esta situação ilustra bem o significado do chamado “Novo Consenso de Washington”, que consiste em implementar a mesma política do Consenso original – priorização dos pagamentos da dívida – porém acompanhada de pequenas concessões focadas aos mais pobres, no sentido de legitimar a política econômica. Um bom exemplo disso é que no ano passado o gasto com a dívida pública foi 31 vezes superior ao orçamento do Bolsa Família.

Outro exemplo de como a dívida gera pobreza é que nas regiões que tiveram um maior crescimento econômico – ligado a exportações de commodities agrícolas e minerais – a pobreza caiu menos, devido à mecanização e pouca geração de empregos, conforme mostra o jornal “Estado de São Paulo”. Isto mostra que o modelo primário-exportador – que vem se aprofundando no país para permitir o pagamento da dívida externa e a acumulação de reservas internacionais – é concentrador de renda.

Comissão aprova isenção de servidor inativo aos 65 anos
Agência Câmara – 14/07/2010 16:50

A comissão especial que analisa o fim da cobrança de contribuição previdenciária para servidores inativos aprovou há pouco o parecer do relator substituto, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).

A proposta estabelece uma redução gradual da cobrança: ao completar 61 anos de idade, o servidor passará a pagar 80% da contribuição. Esse índice será 20% menor a cada ano, até chegar à isenção completa aos 65 anos de idade.

A regra vale para todos os aposentados e pensionistas do serviço público, em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal). Os servidores aposentados por invalidez permanente ficam isentos da contribuição.

Agora, o substitutivo à PEC 555/06, do ex-deputado Carlos Mota, segue para análise do Plenário, onde será votado em dois turnos.

Matéria atualizada às 17h15.

Reportagem – Rodrigo Bittar
Edição – Daniella Cronemberger

Saem da pobreza 13 milhões de brasileiros
Jornal do Brasil – 14/07/2010

Saíram da pobreza absoluta quase 13 milhões de brasileiros entre 1995 e 2008, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Pesquisas Econômicas (Ipea). A faixa considera famílias com rendimento médio por pessoa de até meio salário mínimo mensal e recuou de 43,4% para 28,8% do total da população no período.

A pesquisa abrange os primeiros anos da estabilidade monetária, de 1995 a 2008, período que corresponde aos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

A maior queda foi verificada na região Sul, onde a porcentagem da população em pobreza absoluta recuou 47,1%, de 34% para 13% do total. Com isso, a região ultrapassou o Sudeste como detentora do melhor indicador no conjunto dos quatro estados desta região, a população em pobreza absoluta recuou de 29,9% para 19,5% do total.

Na região Nordeste, houve queda de 28,8% na taxa de pobreza absoluta. Ainda assim, 49,7% da população local vivia, em 2008, com até meio salário mínimo mensal em 1995, essa porcentagem era de 69,8%.

Pobreza extrema

Saíram da pobreza extrema caracterizada pelo rendimento médio domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo por mês 12,1 milhões de brasileiros, reduzindo quase à metade a taxa de pessoas nessas condições, de 20,9% para 10,5%.

A melhora mais significativa na taxa de pobreza extrema também foi na região Sul, onde o indicador recuou 59,6%, de 13,6% para 5,5% também a menor das regiões pesquisadas.

No Nordeste, a pobreza extrema recuou 40,4% em 13 anos, mas a região ainda tem a maior taxa, de 24,5% em 2008.

Pobreza cai mais onde crescimento foi menor
Autor(es): Fernando Dantas
O Estado de S. Paulo – 14/07/2010

Estudo do Ipea mostra que PIB per capita, de 1995 a 2008, cresceu menos no Sul e Sudeste, regiões de maior redução de pobres e miseráveis

As regiões brasileiras que menos cresceram entre 1995 e 2008 foram as que tiveram maior redução da pobreza e da miséria. E, inversamente, as que mais se expandiram foram as com menor queda da pobreza e da miséria.

Essa constatação, aparentemente paradoxal, está num estudo recém-divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o trabalho, as Regiões Sul e Sudeste apresentaram os menores crescimentos médios anuais do Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 1995 a 2008, de respectivamente 2,3% e 2,5%. Ainda assim, a Região Sul teve as maiores quedas médias anuais da pobreza e da miséria, de 3% e 3,7%. Na Região Sudeste, a pobreza caiu 2,3% ao ano, segundo melhor resultado do Brasil, e o recuo médio anual da miséria foi de 2,7%, também o segundo melhor, junto com o Nordeste.

Já a Região Centro-Oeste foi a que mais se expandiu naquele período, com crescimento médio anual do PIB per capita de 5,3%. Em segundo lugar, vem a Região Norte, com 3,6%. A pobreza e a miséria, porém, tiveram quedas anuais de apenas 0,9% e 2,3%, no caso da Região Centro-Oeste; e de 1,1% e 1,6%, na Região Norte. Todas as outras regiões do Brasil tiveram quedas anuais médias da pobreza e da miséria, entre 1995 e 2008, superiores às das Regiões Centro-Oeste e Norte.

Marcio Pochmann, presidente do Ipea, diz que não há estudos prontos para avaliar por que esse fenômeno paradoxal ocorreu, mas os técnicos do Ipea já estão investigando.

A sua hipótese inicial é de que a presença de uma economia mais desenvolvida e geradora de empregos na indústria e nos serviços, de instituições mais consolidadas e de organizações da sociedade civil mais atuantes possa explicar porque Sul e Sudeste tiveram mais avanço nos indicadores sociais, mesmo crescendo menos.

Inversamente, regiões mais dependentes da agropecuária de exportação e da extração de recursos minerais teriam um tipo de crescimento menos criador de empregos, e menos eficaz socialmente. “O futuro do Brasil não pode estar apenas na produção de bens primários para a exportação”, disse Pochmann.

Fim da miséria.

O estudo divulgado ontem mostrou também que uma grande ênfase na redução das desigualdades regionais será necessária para que o Brasil acabe com a miséria e reduza a pobreza a apenas 4% da população em 2016. Essas projeções estão num estudo de janeiro do Ipea, e podem ocorrer desde que o ritmo de redução da pobreza e da miséria entre 2009 e 2016 seja o mesmo apresentado entre 2003 e 2008. O problema, porém, é que, para que aquelas projeções se cumpram, em alguns Estados, como Alagoas e Maranhão, os indicadores terão de ser melhorados num ritmo bem mais rápido do que o do País como um todo.

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 13.07.2010

O Jornal O Globo mostra que o governo está preocupado em barrar no Congresso o aumento do salário mínimo e o fim da contribuição dos servidores inativos, sempre sob a justificativa de falta de recursos. O Jornal mostra uma estimativa feita pelo banco Itaú, segundo o qual o fim desta contribuição geraria uma perda de R$ 2 bilhões para o governo federal.

A contribuição dos servidores inativos é uma idéia criada pelo governo FHC, e implementada por Lula em 2003, com a Reforma da Previdência imposta pelo FMI. Esta reforma prejudicou fortemente os aposentados e pensionistas para “economizar”, em 30 anos, uma quantia (R$ 56 bilhões) equivalente a menos de dois meses de pagamento da dívida pública. Na realidade, esta reforma interessou ao setor financeiro, que ganha duplamente com a redução das aposentadorias públicas: por meio do aumento do superávit primário (reserva de recursos para o pagamento da dívida), e por meio da abertura de espaço para os fundos de aposentadoria, cujos recursos são geralmente geridos por bancos.

Outro temor do governo é que haja aumento do salário mínimo acima da inflação em 2011. A equipe econômica alega que isto aumentaria o “déficit na Previdência”, ignorando o fato de que esta se insere na Seguridade Social, que é altamente superavitária. A verdadeira razão pela qual o salário mínimo não aumenta é que grande parte dos recursos da Seguridade Social são retirados desta área social para o cumprimento da meta de superávit primário, por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União).

Nunca é demais lembrar que o salário mínimo necessário, de acordo com a Constituição, e calculado pelo DIEESE, já ultrapassou os R$ 2 mil, ou seja, 4 vezes mais que o salário atual. A continuar-se com esta política de impedir aumento do salário mínimo, este jamais chegará ao piso exigido pela Constituição.

Enquanto limita-se os gastos sociais a conta-gotas – sob o argumento de que o governo não disporia de alguns poucos bilhões de reais para aumentar o salário mínimo, ou acabar com a contribuição dos inativos – os juros seguem aumentando. Apenas nas duas últimas reuniões do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central) a taxa de juros Selic aumentou em 1,5%, criando uma nova despesa com juros de R$ 30 bilhões por ano. Enquanto isso, a única discussão reinante no governo é sobre o quanto mais ainda elas devem subir!

Conforme mostra o jornal Correio Braziliense, o mercado financeiro (que é ouvido pelo BC) defende que a taxa, atualmente de 10,25% ao ano, suba para 12% neste ano, enquanto a Fazenda defende que as taxas subam para cerca de 11%. A notícia ainda mostra a estimativa feita pelo “mercado” para a inflação dos preços administrados pelo governo em 2011: 4,78%, ou seja, acima da meta de 4,5%. Em suma: o próprio mercado admite que o governo é o primeiro responsável pela inflação, que depois deve ser reduzida com altas de juros.

Por fim, o Valor Econômico traz interessante artigo de Dani Rodrik, argumentando que os cortes de gastos públicos feitos por vários países europeus – por pressão dos rentistas – podem aprofundar ainda mais a recessão, reduzindo assim a própria capacidade destes países pagarem a sua dívida. O artigo conclui que os líderes políticos da Europa poderão aprofundar a crise, exatamente por terem levado o mercado “demasiado a sério”.

Mínimo e inativos alarmam governo
Autor(es): Agencia o Globo/Martha Beck
O Globo – 13/07/2010
Temor é que Congresso ceda à pressão eleitoral e haja rombo nas contas públicas

Propostas que tramitam no Congresso às vésperas das eleições, e que podem resultar num forte aumento dos gastos públicos nos próximos anos, estão deixando a equipe econômica de cabelo em pé. Os técnicos estão mais preocupados com duas: o fim da regra que reajusta o salário mínimo pela inflação, mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de anos anteriores, e o fim da cobrança dos inativos – esta última ainda não aprovada definitivamente. No caso do mínimo, o temor é com o grande poder de pressão das centrais sindicais, que apoiam a candidatura governista à Presidência

Semana passada, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2011 excluindo a regra para o reajuste do mínimo. Pela regra vigente até então, o valor deveria subir de R$510 para R$535 em janeiro – essencialmente com base na variação da inflação, pois o PIB não cresceu em 2009.

Os técnicos temem que, sem uma diretriz definida, abra-se espaço para pressões políticas sobre o reajuste do mínimo. Os sindicatos já falam em defender, na negociação com o governo, um mínimo de R$570.

A mudança na LDO ocorreu, com o aval do Ministério do Planejamento, para evitar uma outra proposta mais preocupante: o aumento do mínimo pela inflação e pelo PIB de 2010, o que daria um reajuste de mais de 10%, elevando o piso previdenciário para cerca de R$570. Era a proposta do relator, senador Tião Viana (PT-AC), mas sua retirada foi negociada, com o compromisso, estabelecido na LDO, de que o Orçamento de 2011 vai prever recursos para aumento real do mínimo e para aposentadorias acima do mínimo.

A Câmara dos Deputados ainda aprovou numa comissão emenda que acaba com a contribuição dos inativos. Instituída no início do governo Lula, ela desconta 11% como cobrança previdenciária dos rendimentos dos servidores aposentados que recebem acima do teto do INSS.

Um relatório do Banco Itaú diz que a proposta dos inativos teria um impacto anual de R$2 bilhões nas contas públicas. Ao todo, 12 propostas que tramitam no Congresso ou foram aprovadas custariam R$96 bilhões/ano.

Para o especialista em contas públicas Amir Khair, o mais grave é que muitas propostas, em tramitação ou aprovadas, pressionarão o governo, que já tem pouca margem orçamentária para gerir receitas. Para ele, o reajuste do mínimo traz retorno para a economia. Mas os gastos com funcionalismo preocupam:

– Realmente, há motivo de grande preocupação nessas bondades de ano eleitoral. Quando se cria uma despesa, é preciso apresentar uma fonte de recursos. Não existe mágica.

Governo diverge sobre juros
Correio Braziliense – 13/07/2010
Enquanto o mercado fecha consenso em relação ao fim da alta da Selic em outubro, BC e Fazenda duelam quanto ao rumo da política monetária nos próximos meses

Marcelo Casal JR/ABr

Mantega acha que taxa básica não deve ir muito além de 11% em 2010

O ciclo de alta dos juros, atualmente em curso, deve se encerrar em outubro, dando um pouco de fôlego aos brasileiros para as compras de fim de ano. Esse é o consenso que se formou entre os profissionais do mercado financeiro e que se tornou evidente na pesquisa Focus divulgada ontem pelo Banco Central (BC). A mediana das estimativas para a Selic — a taxa básica de juros — no fim do ano caiu de 12,13% para 12%, demonstrando que o Comitê de Política Monetária (Copom) poderá manter o mesmo nível na última reunião do ano, em dezembro.

Esse consenso, no entanto, não existe no governo. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, com o ritmo da atividade econômica se desacelerando, como já estariam sinalizando alguns indicadores, e com a inflação perdendo a força, não será necessário aumentar os juros muito além de 11% neste ano. Já o presidente do BC, Henrique Meirelles, ainda não está convencido de que o desempenho da economia permitirá um refresco nos juros para animar o Natal dos brasileiros.

Atualmente, a taxa Selic está em 10,25% ao ano — subiu 1,5 ponto percentual desde março — e a expectativa dos analistas é de que, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) marcada para os dias 20 e 21 deste mês, os juros sejam ajustados para 11% ao ano. No encontro de setembro, a taxa deve subir mais 0,75 ponto, chegando a 11,75%. E, em outubro, alcançaria os 12% que o mercado está projetando. Em dezembro, os juros ficariam estáveis. Para o fim de 2011, a previsão é de Selic de 11,75%.

Custo de vida

A taxa básica de juros é um instrumento usado pelo BC para controlar a inflação. Quando a instituição considera que a economia está aquecida e a trajetória de inflação é de alta, eleva a Selic. O BC tem que perseguir uma meta de inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 4,5%, com margem de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Essa meta é válida para este ano e para 2011. Para os analistas, o IPCA no fim de 2010 deverá ficar em 5,45% — até a semana passada as projeções eram de 5,55%. Em 2011, os analistas esperam que a inflação oficial chegue a 4,80%, a mesma estimativa anterior.

A expectativa dos analistas para os preços administrados permaneceu em 3,60%, em 2010, e caiu de 4,80% para 4,78%, em 2011. Os preços administrados são aqueles cobrados por serviços monitorados, como combustíveis, energia elétrica, telefonia, medicamentos, água, educação, saneamento, transporte urbano coletivo, entre outros.

O fantasma da confiança do mercado
Autor(es): Dani Rodrik
Valor Econômico – 13/07/2010

Mesmo em retrospecto, algumas vezes não fica claro porque os mercados se movem numa direção e não em outra

Um espectro assombra a Europa – o espectro da “confiança do mercado”.

Pode ter sido o medo do comunismo o que agitou governos quando Karl Marx escreveu as linhas de abertura do seu famoso manifesto em 1848, mas hoje é o pavor de que o sentimento do mercado se volte contra eles e eleve os spreads sobre os bônus dos seus governos. Dirigentes em todas as partes estão sendo obrigados a adotar uma política de retração fiscal prematura, ainda que a taxa de desemprego continue elevada e a demanda privada demonstre poucos sinais de vida. Muitos são levados a adotar reformas estruturais nas quais não acreditam realmente – só porque não fazê-lo passaria uma má impressão aos mercados.

O terror movido a sentimento de mercado já foi a ruína exclusiva dos países pobres. Durante a crise da dívida latino-americana da década de 1980 ou a crise financeira asiática de 1997, por exemplo, os países em desenvolvimento pesadamente endividados acreditaram não ter muitas opções além de engolir um remédio amargo – ou enfrentar uma avalanche de saídas de capital. Agora é a vez de Espanha, França, Reino Unido e, avaliam muitos analistas, até dos Estados Unidos.

Se queremos tomar dinheiro emprestado, precisamos convencer a nossa instituição de crédito de que podemos devolver os recursos. Até aí está claro. Em tempos de crise, porém, a confiança do mercado assume vida própria. Ela se torna um conceito sublime desprovido de qualquer conteúdo econômico real. Ele se transforma naquilo que filósofos chamam “construção social” – algo que só é real porque assim acreditamos. Isso porque, se a lógica econômica fosse bem definida, os governos não precisariam justificar o que fazem com base na confiança do mercado. Ficaria evidente qual política funciona ou não, e a busca das políticas “certas” seria a forma mais segura de restaurar a confiança. A perseguição da confiança do mercado seria supérflua.

Assim sendo, se a confiança de mercado tem um significado, deve ser algo que não é determinado simplesmente pelos fundamentos econômicos. Mas o que seria isso?

No seu Manifesto Comunista, Marx afirmou que “chegou a hora de os comunistas poderem publicar, abertamente, diante de todo o mundo, suas opiniões, seus objetivos e tendências e confrontar esse conto do espectro do comunismo com um manifesto do próprio partido”. Igualmente, seria interessante se os mercados esclarecessem o que eles querem dizer com “confiança”, de forma a que saibamos todos com o que estamos lidando.

Certamente, é improvável que os “mercados” façam algo desse naipe. Isso não só porque os mercados são constituídos por uma profusão de investidores e especuladores que muito provavelmente jamais se reunirão para publicar um “programa do partido”, mas, mais fundamentalmente, porque os próprios mercados têm pouca noção do que seja.

A capacidade e a disposição de um governo de servir a sua dívida dependem de um número quase infinito de contingências atuais e futuras. Elas dependem não só dos seus planos fiscais e de gastos, mas também do estado da economia, da conjuntura externa e do contexto político. Todas são extremamente incertas e exigem muitas premissas para chegar a algum tipo de critério sobre capacidade creditícia.

Hoje, os mercados parecem pensar que vastos déficits fiscais são a maior ameaça à solvência de um governo. Amanhã eles poderão pensar que o problema real é baixa taxa de crescimento e deplorarão as severas políticas fiscais que ajudaram a produzi-la.

Atualmente, eles se preocupam com governos brandos, incapazes de tomar as duras medidas necessárias para lidar com a crise. Talvez amanhã eles percam horas de sono com as manifestações em massa e os conflitos sociais provocados pelas duras políticas econômicas.

Poucos sabem prever em qual direção o sentimento de mercado se moverá, quanto mais os próprios participantes do mercado. Mesmo em retrospecto, algumas vezes não fica claro porque os mercados se movem numa direção e não em outra. Políticas semelhantes produzirão reações de mercado distintas, dependendo do conto predominante ou da coqueluche do momento. Isso explica por que conduzir a economia com base nos ditames da confiança de mercado é uma perda de tempo.

O raio de esperança em tudo isso é que, ao contrário dos economistas e políticos, mercados não têm ideologia. Enquanto ganharem dinheiro, não se importarão se tiverem de engolir as suas próprias palavras. Eles simplesmente querem o que quer que “funcione” – o que quer que produza um ambiente econômico vigoroso propício ao pagamento da dívida. Quando as circunstâncias se tornarem horríveis demais, eles até tolerarão a reestruturação da dívida – se a alternativa for caos e a perspectiva de prejuízo maior.

Isso abre algum espaço para os governos manobrarem. Permite que políticos seguros de si assumam o controle do seu próprio futuro. Isso os autoriza a moldar a história que dá sustentação à confiança de mercado, em vez de ficar brincando de pega-pega.

Mas para fazer bom uso desse espaço de manobra, os formuladores de política precisam articular um relato coerente, sólido e confiável do que estão fazendo, baseado tanto nos princípios econômicos como nas boas práticas políticas. Eles devem dizer: “Estamos fazendo isso não porque os mercados exigem isso, mas porque é bom para nós e pronto”.

O argumento deles precisa convencer os seus eleitorados, assim como os mercados. Se lograrem êxito, poderão ir atrás dos seus próprios princípios e manter a confiança dos mercados ao mesmo tempo.

Foi nesse ponto que os europeus (junto com os seus assessores econômicos) dormiram no ponto. Em vez de enfrentarem o desafio, os líderes primeiro empurraram com a barriga e depois se renderam à pressão. Eles acabaram cultuando os pronunciamentos dos analistas de mercado. Ao fazê-lo, negaram a si mesmos políticas economicamente desejáveis que têm maior probabilidade de arregimentar apoio popular.

Se a crise atual se agravar, os líderes políticos serão aqueles que arcarão com a responsabilidade principal – não por terem ignorado os mercados, mas por os terem levado demasiado a sério.