Embaixador do Equador conta o que mudou no país após realização da auditoria da dívida

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A palestra magna do seminário “O Sistema da Dívida na Conjuntura Nacional e Internacional” realizado na Unb em parceria com a Auditoria Cidadã da Dívida em 2013, foi proferida pelo Embaixador do Equador, Dr. Horacio Sevilla Borja.

Por cerca de meia hora, o ilustre Embaixador falou sobre a experiência da auditoria da dívida pública realizada em seu país, pela comissão instituída por decreto presidencial (CAIC), e enumerou os impressionantes resultados e consequências positivas deste importantíssimo processo, ao longo dos cinco anos decorridos desde a auditoria encerrada em 2008. “O dinheiro que antes era transferido para o exterior para pagar a dívida, repito, agora está sendo investido na saúde e na educação pública de qualidade”, afirmou ao enumerar as diversas conquistas sociais e econômicas decorrentes do ato soberano do presidente Rafael Correa, que resultou na anulação de cerca de 70% da dívida externa em títulos públicos.

Fattorelli, que foi membro titular da CAIC, ressalta a importância desse registro, que segundo ela serve de exemplo de atitude soberana em relação ao país e de respeito em relação ao povo, a qual deveria ser seguida pelo Brasil e demais países.

Confira a palestra legendada.

Texto da palestra:

Apresentação do Embaixador do Equador no Brasil Dr. Horacio Sevilla Borja (ano 2013).

Boa tarde, senhoras e senhores, muito obrigado por esta amável apresentação. Tive o prazer de vir falar com vocês para contar-lhes sobre uma experiência, a experiência que meu país teve ao realizar uma Auditoria da Dívida e para contar-lhes os resultados, o que aconteceu com essa Auditoria da Dívida. Acredito que desde que a auditoria foi concluída, cinco anos se passaram, portanto temos uma perspectiva do que foram os resultados e as consequências de ter dado esse passo.

Portanto, acredito que em um seminário desta natureza, sem querer lhe dar receitas de qualquer tipo pois não é apropriado, mas para nos contar as experiências comuns que você teve a oportunidade de ouvir neste seminário, pode ser positivo para todos. E é por isso que tenho o prazer de dirigir estas palavras a vocês no final deste seminário.

Em 15 de janeiro de 2007, o economista Rafael Correa tornou-se Presidente da República do Equador. O povo equatoriano o elegeu por ampla maioria em eleições democráticas que puseram fim a um longo período de instabilidade política no Equador. Recordemos que em um período anterior de dez anos tivemos oito chefes de Estado, e também com a eleição do presidente Correa, a crise econômica mais grave da história do meu país terminou, uma crise que obrigou 2 milhões de habitantes a deixar o Equador – somos 15 milhões de habitantes no Equador – emigraram do Equador como resultado dessa crise.

Historicamente tivemos uma moeda nacional, o sucre, e como resultado dessa crise eles introduziram o dólar, que é nossa moeda nacional, e deram prioridade à economia do corrupto sistema bancário equatoriano, em detrimento de centenas de milhares de pequenos aforradores das classes média e baixa do Equador. O Presidente Correa fez uma campanha eleitoral, ele fez sua oferta eleitoral prometendo realizar uma Revolução Cidadã, baseada nos princípios do socialismo científico adaptado às necessidades e realidades do século XXI, o Socialismo do século XXI. Nosso Chefe de Estado cumpriu e cumpre plenamente estas promessas eleitorais, razão pela qual conquistou a confiança do povo e foi reeleito constitucionalmente até 2017, a Constituição equatoriana permite apenas uma reeleição. Hoje, depois de quase sete anos de governo, ele tem algo incrível em meu país: mais de oitenta por cento do povo é a favor de sua administração.

O Presidente Correa, apenas cinco meses após assumir o poder no Equador, ou seja, em 9 de julho de 2007, emitiu o Decreto Executivo nº 472, que estabeleceu a chamada Comissão de Auditoria Integral de Crédito Público (CAIC), com que finalidade: “a fim de determinar sua legitimidade, legalidade, transparência, qualidade, eficácia e eficiência” (de acordo com o Decreto Executivo nº 427/2007), esses foram os parâmetros sobre os quais a comissão internacional teve que pensar em sua auditoria. Esta foi uma decisão ousada, foi uma decisão sem precedentes, sem precedentes nas relações econômicas e financeiras no mundo, foi o primeiro exemplo onde foi tomada uma decisão governamental para auditar a dívida. O que queríamos era demonstrar com documentação o que as organizações sociais já estavam denunciando, que todo seu dinheiro foi utilizado para pagar a dívida externa equatoriana, e que grande parte da dívida externa havia sido contratada de forma ilegítima e fraudulenta.

Especialistas nacionais e internacionais com altas e reconhecidas credenciais acadêmicas e éticas fizeram parte deste Comissariado de Auditoria do Crédito Público Equatoriano, e foi uma honra para o Equador ter entre este núcleo de personalidades uma ilustre cidadã brasileira, Dra. Maria Lucia Fattorelli, que é a Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil. Esta Comissão, na qual Maria Lucia Fattorelli estava cooperando, trabalhou dezesseis meses de trabalho duro e entregou os resultados de sua auditoria ao governo do Presidente Rafael Correa em 20 de novembro de 2008. Em seu estudo, a Comissão determinou com provas e argumentos irrefutáveis que, entre outros assuntos, a existência de numerosas irregularidades e ilegalidades na contratação de vários segmentos da dívida pública do Equador, particularmente naqueles segmentos da dívida comercial, contidos nos chamados bônus globais 2012 e 2030, que em 2007 representavam 30% (30%) do total da dívida pública equatoriana e 44% (44%) do pagamento de economia de juros.

Nos processos de renegociação e refinanciamento da dívida comercial, foram encontradas evidências de práticas ilegais, como o anatocismo, o desvio de fundos correspondentes a garantias com garantias que garantiam o pré-pagamento sob a forma de swaps de dívida, renegociações baseadas em valores nominais e não de mercado, o que levou à deterioração das condições de vida da população, agravando a pobreza e aumentando a migração. O Comitê de Auditoria também encontrou ilegalidades e irregularidades nas ações e créditos multilaterais das organizações financeiras internacionais, tais como interferência indevida nos assuntos internos do país, busca de benefícios para os interesses privados transnacionais, orientação para modelos neoliberais de livre mercado, ações concertadas para exigir o cumprimento de obrigações com credores internacionais, etc.

Na opinião da Comissão, há evidências suficientes para repudiar alguns empréstimos de organizações financeiras internacionais. O governo do Equador ainda não tomou medidas concretas, como fez no caso da parcela da dívida comercial com bancos internacionais. O Equador, com o apoio técnico desta auditoria, decidiu ir além da tradicional denúncia do questionamento ético da denúncia internacional, e para surpresa de muitos, especialmente os estupefatos funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), o Equador decidiu unilateralmente declarar uma moratória sobre seu serviço da dívida por considerar a dívida ilegítima, e tentaram buscar uma solução financeira, os condenados do desastre e, claro, aqueles que defenderam os interesses dos bancos internacionais não só iniciaram uma campanha de ameaças de todo tipo contra o governo do Equador, mas também iniciaram ações muito concretas para destruir a economia equatoriana.

Entretanto, contra toda essa potência mundial, mantivemos a decisão da moratória do serviço da dívida e iniciamos negociações complexas com os detentores da dívida, para tentar encontrar uma solução financeira, que culminou com sucesso graças à posição firme do governo do Equador e sete meses após essas negociações, em 11 de julho de 2009, o Equador recomprou a dívida em trinta e cinco por cento (35%) de seu valor nominal e conseguiu a retirada do mercado de noventa e um por cento (91%) dos títulos globais 2012, 2030. Para melhor compreender o significado desta renegociação, gostaria de salientar que antes da auditoria de nossa dívida, a dívida externa do Equador representava vinte e quatro por cento (24%) do orçamento do Estado, e este ano, hoje 2013, essa proporção é de quatro por cento (4%), o peso da dívida em relação ao produto interno bruto (PIB) nos anos da crise (1999/2000) era de cem por cento (100%), em 2013 é de vinte e três por cento (23%).

Assim, a administração das finanças públicas no Equador mudou significativamente, já que a alocação de recursos anteriormente destinados ao pagamento principal de juros da dívida foi redirecionada para as prioridades de desenvolvimento nacional em infraestrutura e programas sociais, bem como para o fortalecimento do serviço da dívida interna, colocando fundos em instituições públicas equatorianas, como o Instituto de Previdência Social do Equador, recebendo assim juros mais altos e evitando a fuga de recursos. Os resultados disso são evidentes, alguns números para entender: quinze por cento (15%) do PIB equatoriano é dedicado ao investimento público, a maior porcentagem de investimento público na região, que gerou transformações históricas no país, porto, aeroporto, telecomunicações, geração de eletricidade, etc.

De acordo com o último Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas para o ano 2012, o Equador é um dos quatro estados do mundo que mais subiu posições nos últimos cinco anos, coincidindo com a denúncia da dívida, passamos de um grupo de desenvolvimento humano médio a alto, com as vantagens obtidas com a reestruturação da dívida que meu país se tornou uma das economias mais dinâmicas da América Latina, com um crescimento médio anual sustentado neste período de cinco anos de 4,3%, enquanto a região da América Latina e do Caribe o fez com 3,5%. Segundo a CEPAL, o Equador é um dos três países que mais reduziram a pobreza, o Brasil um deles, no Equador um milhão de pessoas deixaram o quintil da pobreza e entraram na classe média. A pobreza de renda caiu de 37,6% para 27,3%, e a pobreza extrema de 16,9% para 11,2%. Também segundo a CEPAL, durante este período o Equador é o país que mais reduziu a desigualdade na América Latina, tendo reduzido a concentração de renda em oito pontos de acordo com o coeficiente de gini.

Também estamos orgulhosos de nossas conquistas sociais, o que só foi possível porque, como repito, o que costumávamos pagar na dívida externa estamos agora investindo no país, e de acordo com estes resultados somos o país da região com o maior número de pobres matriculados na universidade. O desemprego foi reduzido de 8% em 2006 para 4,5% em 2013; o poder de compra da cesta básica aumentou de 67% para 99%; a precariedade do trabalho foi reduzida, aquela bandeira ideológica do pensamento neoliberal que nos fez acreditar que para obter benefícios e progresso econômico era necessário reduzir os benefícios dos trabalhadores, fizemos exatamente o contrário dessas receitas neoliberais do FMI, e nos saímos muito bem.

Como o salário nominal foi aumentado no Equador, o salário real também foi aumentado para o nível mais alto de nossa história. As mudanças em saúde e educação são extraordinárias, por exemplo, a taxa de renda escolar básica da população indígena aumentou de 89% para 92%, e de 88% para 96% para os afro-equatorianos. O dinheiro que antes era transferido para o exterior para pagar a dívida, repito, agora está sendo investido na saúde e na educação pública de qualidade. Além disso, estamos em processo de modificação da matriz energética do país, que hoje depende principalmente dos combustíveis fósseis, para avançar no uso de energias limpas com a construção de dezenas de hidrelétricas. Estamos também em processo de modificação da matriz produtiva para parar de depender da mera exportação de matérias-primas e favorecer a inovação, a tecnologia e o conhecimento. Vale notar que tudo isso foi conseguido no Equador no momento da maior crise econômica e financeira mundial.

Entretanto, ainda há muito a ser feito no Equador, somos um país com taxas de pobreza preocupantes, na sociedade equatoriana ainda há fome em grandes segmentos da população, nossa sociedade ainda é injusta, socialmente injusta e economicamente vulnerável. Mas não esqueçamos que estamos sobrecarregados com quinhentos (500) anos de colonialismo retrógrado e obscurantista, que estamos sobrecarregados com duzentos (200) anos de neocolonialismo após a independência, e que por mais de quatro décadas o desastroso neoliberalismo tem reinado em nossa sociedade, de modo que o fardo que temos é pesado, portanto ainda temos muito a fazer apesar das conquistas que fizemos.

Este é, senhoras e senhores, um breve esboço de uma experiência bem sucedida de um Estado da região latino-americana na gestão de sua dívida externa, particularmente da dívida comercial. As práticas dos bancos internacionais multilaterais e privados são geralmente semelhantes em todos os países em desenvolvimento, o que aconteceu no Equador, e as ilegalidades são aplicáveis ao que eles fazem em todos os países em desenvolvimento, mas adaptadas a diferentes geografias e circunstâncias. Para responder, não existem formas únicas ou reservas gerais, já que as peculiaridades nacionais e as condições objetivas podem se repetir, mas estas trocas de informações e o estudo das experiências de outras pessoas são válidas, como você teve a oportunidade de discutir neste seminário.

Em conclusão, permitam-me fazer uma breve referência a outra auditoria internacional iniciada nestes dias no Equador. Por ordem do Presidente Rafael Correa iniciou hoje uma nova experiência como a anterior, e iniciamos uma nova auditoria, esta é a de realizar uma análise dos famosos tratados de proteção recíproca de investimentos, que são os acordos exigidos pelos Estados centrais para fazer negócios com os países das periferias. Em 6 de maio de 2013, o Chefe de Estado equatoriano emitiu o Decreto 1506 criando a Comissão de Auditoria Cidadã Integral dos tratados de proteção recíproca de investimentos e do sistema internacional de arbitragem de investimentos. Esta comissão de auditoria é composta por quatro representantes de instituições estatais, quatro especialistas internacionais de organizações internacionais da sociedade civil e quatro representantes da sociedade civil equatoriana.

Dentro de um período de oito meses a partir de 2 de outubro de 2013, eles terão que “auditar e tornar transparente todo o conteúdo dos instrumentos para o tratamento dos investimentos estrangeiros e os mecanismos de solução de controvérsias nesta área”. No Equador estamos convencidos de que os mecanismos de investimento assimétricos existentes foram concebidos para favorecer corporações transnacionais, e que os países em desenvolvimento são vítimas de sentenças, decisões e sentenças de tribunais de arbitragem internacionais cuja razão de ser é favorecer corporações multinacionais.

Mencionarei como um dos muitos exemplos, que ocorrem em meu país e em outros países latino-americanos, o caso da empresa petrolífera Chevron Texaco, que em 1993 foi processada por um grupo da sociedade civil equatoriana, um grupo composto principalmente por indígenas da Amazônia equatoriana que foram vítimas de graves danos ao meio ambiente e à saúde causados pelas atividades de extração de petróleo da Chevron Texaco produzidas entre 1964 e 1990. Esta empresa transnacional derramou aproximadamente oitenta mil (80.000) toneladas de resíduos tóxicos na Amazônia equatoriana, o maior derramamento de petróleo na história do mundo, 87 vezes maior do que o da British Petroleum no Golfo do México em 2010.

A Chevron foi condenada por este desastre para compensar as centenas de milhares de demandantes com 19 bilhões de dólares, mas a transnacional se recusa a cumprir a sentença e invoca o famoso tratado de promoção e proteção recíproca de investimentos assinado entre o Equador e os Estados Unidos, que entrou em vigor em 1997, ou seja, quatro anos após a ação judicial, cinco anos após a saída da empresa do país, e ainda com base nestes tratados de promoção e proteção recíproca de investimentos, a empresa quer que a Corte Permanente de Arbitragem de Haia declare que a responsabilidade pelo pagamento dos 19 bilhões de dólares não caia sobre eles, mas sobre o Estado equatoriano porque o Estado não protegeu seus interesses, o que é o absurdo da atual ordem jurídica internacional.

Também é importante ressaltar que a Chevron Texaco está trazendo esta arbitragem contra o Estado equatoriano mesmo que o Estado não seja o demandante, mas sim um grupo independente de cidadãos, a maioria deles indígenas, e que o tratado de promoção e proteção recíproca de investimentos, além do fato de que não pode ser retroativo, não contempla o caso de arbitragem internacional no caso de ações judiciais entre indivíduos, mas o grave de tudo isso é que o Tribunal de Haia se declarou competente e estamos sujeitos a que seja o governo equatoriano a pagar os 19 bilhões de dólares. Portanto, este caso do Equador não é o único, nem está isolado no atual sistema internacional, as estatísticas mostram que estes mecanismos de arbitragem decidem principalmente a favor das empresas contra os estados do sul, por exemplo o ICSID, que é um tribunal de arbitragem dentro do sistema do Banco Mundial, resolveu 232 casos de arbitragem até junho de 2011, 230 casos, ou seja, 99,1% concluíram com decisões condenando os estados a pagar quantias desproporcionais de dinheiro público às transnacionais, dinheiro que de outra forma poderia ser destinado ao investimento social e ao desenvolvimento.

Há alguns dias, o economista ganhador do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz elogiou o governo do Equador por esta iniciativa de auditar os tratados de proteção aos investimentos e ressaltou que o Brasil é um exemplo de um país que nunca quis assinar estes tratados e, além disso, após esta apresentação pelo Equador, tanto a África do Sul quanto a Índia também estão pedindo o fim destes tratados.

Diante de tanta assimetria, tanta desigualdade, tanta arrogância, estamos atualmente trabalhando dentro da UNASUL, neste projeto que criamos aqui para nos defender e integrá-los na América do Sul, estamos trabalhando na criação de um órgão de arbitragem que seja verdadeiramente neutro e equilibrado e que assegure que os Estados e os investidores sejam tratados de forma justa e imparcial.

Portanto, senhoras e senhores, agradeço a atenção que dedicaram a estas palavras e os convido a acompanhar de perto não somente os resultados das auditorias realizadas no Equador no caso da dívida externa, mas também a acompanhar de perto o caso desta auditoria que começa com os tratados assimétricos de proteção aos investimentos, que nada têm a ver com reciprocidade, e pelo sistema injusto e imoral de arbitragem internacional de investimentos que sempre favorece as transnacionais e prejudica nossos povos.