Securitização: uma armadilha para o Brasil – Enio Pontes de Deus

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*Enio Pontes de Deus

Ultimamente tem crescido o debate acerca do processo de securitização da Dívida Ativa da União. De um lado, alguns, preponderantemente ligados ao mercado financeiro e alguns governos, defendem que o processo poderia ser algo bom. Por outro lado, diversos senadores, Tribunais de Contas da União e de Estados, e a Auditoria Cidadã da Dívida, têm deixado claro os graves riscos desse processo.

Mas, antes de avançarmos na nossa reflexão, vamos inicialmente situá-los sobre o que seria a “securitização”. Teoricamente, a securitização constitui-se na conversão de um ativo em título negociável entre instituições financeiras, podendo este ser ou não lastreado em garantias.

Quem defende esta operação afirma que seria um “bom negócio” aderir à securitização, no caso de esta se dar sobre um ativo ruim, porque a operação “transferiria o risco aos investidores”, além de transformar um “papel ruim em papel bom”, na linguagem do mercado.

Na prática, o modelo de securitização que está sendo implementado no Brasil não se dá sobre um “ativo ruim”, ao contrário, é baseado em créditos líquidos e certos, parcelados, com confissão de dívida, e garantia de recebimento, o que envolve diversas ilegalidades.

Portanto, a premissa colocada pelos que defendem esse processo é equivocada já de início, como se desconhecessem o que está de fato ocorrendo e pretendem criar uma falsa propaganda em torno do tema.

Recentemente o ministro da Fazenda, Henrique Meireles, em entrevista a uma revista de circulação nacional afirmou que o Brasil está estudando a possibilidade de securitizar a Dívida Ativa da União. A Dívida Ativa corresponde aos créditos tributários e de outras naturezas, não pagos ao Estado, como impostos, contribuições multas de trânsito, ambientais, de defesa do consumidor etc.

Para exemplificar: se um cidadão possui um valor devido de Imposto de Renda e não paga, torna-se inadimplente e aquele valor é inscrito na conta da Dívida Ativa da União. Assim também ocorre com impostos municipais e estaduais. A justificativa de Meireles para lançar mão do artifício da securitização seria para ajudar no “esforço fiscal de R$ 55,4 bilhões que precisaria ser feito para cumprir a meta fiscal do ano que vem, que prevê um déficit de R$ 139 bilhões”. A propaganda apresentada pelo ministro da Fazenda sugere que essa seria uma boa alternativa, porém, não passa de uma “armadilha”.

Na verdade, essa operação de securitização da Dívida Ativa esconde muita coisa: apesar da propaganda de que ela iria permitir aos governos antecipar o recebimento de dívidas tributárias de difícil recuperação, ela simplesmente sequestra receitas provenientes de parcelamentos tributários com altíssima probabilidade de recebimento pelos governos. Tais recursos sequestrados são muito significativos, e são destinados para tais empresas, que emitem debêntures com juros altíssimos e garantia estatal, beneficiando o mercado financeiro. O mais grave é que, para o governo efetivar esse tipo de operação, estão sendo criadas novas “empresas estatais”, com os custos inerentes da implantação de uma instituição deste tipo, com a finalidade de emitir títulos (debêntures) com garantia pública estatal, sem registro na CVM, pagando juros estratosféricos e que são vendidos ao mercado financeiro “com esforços restritos, sem transparência alguma.

Também há o agravante jurídico.

A OPERAÇÃO NÃO RETIRA DA ADVOCACIA PÚBLICA A FUNÇÃO DE COBRAR TAIS DÍVIDAS. Senadores, Tribunais de Contas da União e de Estados, e a Auditoria Cidadã da Dívida, denunciam que esse tipo de operação fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, por se tratar de operação de crédito não autorizada, tendo em vista que no momento em que são vendidas as debêntures, uma parte dos recursos são transferidos ao ente federado. Dessa forma, a empresa estatal é mera fachada para a realização de operação de crédito extremamente onerosa junto ao mercado financeiro.

Fica claro então que é um “excelente negócio” para o mercado enquanto que o Estado brasileiro poderá cair nessa “armadilha” e arcar apenas com o ônus das operações.

Definitivamente não é a solução para aumentar a receita e diminuir o rombo no orçamento. Que tal começar por uma reforma tributária que taxe as grandes fortunas ou uma auditoria da Dívida Pública que detecte onde estão os vazamentos dos recursos públicos que atualmente faltam para as áreas prioritárias, como saúde, educação, segurança pública e educação? Fica a reflexão.

* Enio é presidente da Adufc-Sindicato e coordenador do Núcleo Estadual da Auditoria Cidadã da Dívida Pública