Carta aos ministros do STF

Compartilhe:

Às Vossas Excelências
Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal
Brasília – DF

Assunto: Relevância da Ação Direta de Inconstitucionalidade No 6417 e pedido de audiência pública sobre as operações de que trata o Art. 7o da EC 106, objeto da referida ADI

Excelentíssimos(as) Ministros(as) do STF,

Cumprimentando-os(as) cordialmente e tendo em vista que o Art. 7o da Emenda Constitucional 106 é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade neste Supremo Tribunal Federal, vimos, pela presente, ressaltar a relevância da referida ADI 6417 e solicitar a realização de audiência pública, por videoconferência, a fim de possibilitar a abertura do necessário debate sobre o alcance das operações autorizadas pelo referido dispositivo e suas consequências para as contas públicas atuais e futuras, tendo em vista que não foi estabelecido qualquer limite de valor para tais operações, que poderão alcançar vários trilhões de reais.

A fim de contribuir com essa ação, a Auditoria Cidadã da Dívida já protocolou, desde 29.05.2020, pedido de ingresso como Amicus Curiae na ADI 6417 e, nesta oportunidade, juntamos o artigo “Por que gastar trilhões para comprar papel podre? Análise da Circular 4.028 do Banco Central”, disponível no link , no qual analisamos a regulamentação expedida pelo Banco Central, apesar do tema se encontrar ainda pendente do julgamento dessa Egrégia Corte.

Também a título de contribuição, ressaltamos que a manifestação do próprio Senado Federal ao Ministro-Relator da ADI 6417 declara textualmente que houve de fato alteração substancial no texto do Art. 7o da EC 106 votado nas duas casas legislativas, reforçando a tese de inconstitucionalidade objeto da referida ADI, conforme trecho que transcrevemos:

“Foram suprimidas a lista de ativos que constava das alíneas do inciso II e palavra “seguintes” constante do início do referido inciso. (…) Com estas modificações, a Câmara dos Deputados eliminou o rol que discriminava quais títulos poderiam ser comprados ou vendidos pelo Banco Central (inciso II), removendo também a expressão “seguintes” do início do inciso. Com a eliminação da restrição, a redação dada pela Câmara passou a permitir operações de compra e venda com todo e qualquer título.” (grifos nossos)

A completa ausência de especificação do tipo de ativo privado a ser adquirido pelo Banco Central abre a possibilidade de realização de negociações completamente obscuras e temerárias, como a que já foi anunciada em recente matéria publicada pelo Valor Econômico, segundo a qual o “O Banco Central avalia comprar cestas de títulos privados , disponível no link.

Tais cestas de títulos podem conter inúmeros e diferentes ativos financeiros, inclusive títulos sem valor comercial algum e sem liquidez, prescritos (emitidos há mais de 5 anos), emitidos no exterior, enfim, qualquer papel financeiro, pois não poderão ser identificados, já que estarão “empacotados” na referida cesta, o que impede a transparência exigida para negociações feitas com dinheiro público.

Ademais, não faz o menor sentido falar em “risco de crédito” ou “preço de referência” para cestas de títulos que misturam diversos tipos distintos de papéis financeiros, de naturezas diversas, riscos diversos e preços de referência diversos e até, em muitos dos casos, inexistentes, escondendo a verdadeira identidade e qualidade dos títulos que estão sendo de fato negociados, o que torna inócua toda a formulação inserida no Art. 8o da Circular 4.028, que silencia-se totalmente acerca do tipo de ativo que o BC poderá comprar, e ainda admite que todos os parâmetros de seus artigos 8, 9 e 10 poderão ser descumpridos, na situação elencada, deixando evidente margem para brecha legal e mencionando apenas que não deixarão tal desenquadramento se ampliar!

Considerando o imenso volume de dinheiro público envolvido nessa temerária operação, pedimos a atenção de Vossas Excelências para o fato de que durante a tramitação da PEC 10, o presidente do BC declarou ao Senado que o valor da operação de compra de ativos privados seria de R$972,9 bilhões (link), ou seja, quase R$ 1 trilhão, sendo que, segundo levantamento feito pela IVIX Value Creation (link ) publicado pelo Estadão, esse valor de quase R$ 1 Trilhão corresponde a ativos privados que vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, e não considera a correção monetária. Dessa forma, ao ser considerada a atualização monetária, a operação poderá atingir vários trilhões de reais.

O disposto no Art. 7o da EC 106 é mais um dispositivo que vem transformando a Constituição Cidadã na Constituição do mercado, aprofundando o Sistema da Dívida em nosso país.

Na certeza da atenção de V. Exa. ao nosso pedido, requeremos o agendamento da audiência pública solicitada, em sessão virtual por videoconferência, oportunidade em que poderemos apresentar trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida.

Atenciosamente,

_________________________
Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

VERSÃO EM PDF