Verdades e mentiras da reforma administrativa: reflita sobre os números oficiais do governo, por Paulo Lindesay
Paulo Lindesay*
Números oficiais do Tesouro Nacional desmentem Bolsonaro: gasto com pessoal e encargos sociais não atinge 5% do PIB
Os números oficiais do Tesouro Nacional e do IBGE desmentem as falácias do governo Bolsonaro, capitaneado por Paulo Guedes, Rodrigo Maia, os ultraliberais e a grande mídia, em relação ao gasto excessivo com Pessoal e Encargos Sociais da União e a Dívida Pública. Não há a menor necessidade da realização de uma REFORMA ADMINISTRATIVA. O que o governo Bolsonaro está propondo é a REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO, alterando a estrutura da Constituição Federal, acabando com o “Estado Estatal” e criando o “Estado Privado”, que será entregue aos donos do poder.
Como você pode comprovar nas imagens anexadas, com os dados oficiais do Tesouro Nacional e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 20 anos (2000 a 2019) o gasto com PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS na esfera federal não chegou a 5% do PIB. Por mais que tenha havido crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a despesa com Pessoal e Encargos Sociais, manteve-se percentualmente constante, em todos os governos, no período analisado.
Confecção própria: Paulo Lindesay
Fonte: Tesouro Nacional – Despesas por Grupo de Despesa
Você sabe o que é Receita Corrente Líquida?
Se observarmos a relação entre o Gasto Médio da União com Pessoal e Encargos Sociais e a Receita Corrente Líquida – RCL, entre 2000 e 2019, verificamos que foi de 34%, ficando muito abaixo do teto de 50% imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, para o caso da União.
Portanto os argumentos de gastos excessivos com Pessoal e Encargos Sociais da União é pura falácia para enganar o povo brasileiro.
Na série histórica do Tesouro Nacional referente à Receita Corrente Líquida podemos ratificar esse grande sofisma. A RCL, em 2018, foi R$ 805 bilhões, e em 2019, R$ 905 bilhões. Com uma simples operação matemática podemos comprovar que houve um crescimento de R$ 100 bilhões em pouco mais de um ano. Neste período o gasto com Pessoal e Encargos Sociais diminuiu R$ 1 bilhão. Em 2018, foi de R$ 293 bilhões e, em 2019, foi de R$ 292 bilhões, ou seja, 32% da Receita Corrente Liquida.
O governo Bolsonaro, baseado na Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia gastar em 2019,
até o limite prudencial, em torno de 47,5% da RCL, cerca de R$ 430 bilhões, ou o teto máximo de 50% da RCL, cerca de R$ 452 bilhões.
Entretanto, não utilizou os recursos disponíveis.
Esses números colocam em xeque quaisquer justificativas retóricas sobre o tão alardeado gasto público, já que nesse caso havia uma reserva técnica da RCL de mais de R$ 160 bilhões, não executada pelo governo federal.
Confecção própria: Paulo Lindesay. Dados em R$ bilhões.
Fonte: Tesouro Nacional
Como podemos comprovar, o GASTO COM PESSOAL e ENCARGOS SOCIAIS, ficou muito abaixo do teto definido na LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (na União, de 50% da RCL), enquanto o gasto com o SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA cresceu exponencialmente: em 2019 foi de R$ 1,038 trilhão ou quase 40% do Orçamento Geral da União.
Confecção própria: Paulo Lindesay. Dados em R$ bilhões.
Fonte: Tesouro Nacional
Podemos conferir, no gráfico acima, que o verdadeiro vilão da economia brasileira chama-se DÍVIDA PÚBLICA, e não o gasto com PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS. O custo da despesa com o SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA em 2019 (R$ 1,038 trilhão) foi cerca de 3,5 vezes a despesas com PESSSOAL E ENCARGOS SOCIAIS em 2019 (R$ 292 bilhões).
Nota sobre o gráfico acima: Os analistas ligados ao governo e ao mercado financeiro, ao verem seus argumentos serem desmontados por este gráfico, tentam atacar os estudos da Auditoria Cidadã da Dívida, com diversos argumentos falaciosos, já analisados e desmontados no texto a seguir: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/mentiras-e-verdades-sobre-a-divida-publica-parte-3/
Confecção própria: Paulo Lindesay
Fonte: Tesouro Nacional
Se precisamos fazer alguma reforma, que seja a reforma da política econômica do Banco Central!
A Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu o chamado TETO DE GASTO, colocou uma trava na metade do ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO, o chamado ORÇAMENTO PRIMÁRIO DA UNIÃO (Educação, Saúde, Pessoal, Cultura, Saneamento etc.). A outra metade do ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO, o chamado ORÇAMENTO FINANCEIRO (DÍVIDA PÚBLICA), não tem limite, está tudo liberado.
Em 2019, a despesa executada com o SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA foi
R$ 1,038 trilhão. Na Lei Orçamentária Anual (LOA/2020) a previsão para o pagamento do SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA aumentou para R$ 1,603 trilhão. Se a previsão se concretizar, haverá um crescimento de mais de R$ 565 bilhões em relação a 2019.
O governo Bolsonaro até agosto de 2020 já executou ao SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA cerca de R$ 1,048 trilhão – R$ 284 bilhões de JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA e R$ 763 bilhões de AMORTIZAÇÃO. Como ainda faltam 4 meses para consolidar o pagamento ao serviço da dívida, o governo poderá cumprir a previsão inicial de R$ 1,603 trilhão facilmente. Diante desses números oficiais, como o governo Bolsonaro pode afirmar que o Brasil está quebrado e propõe um aumento de mais de R$ 565 bilhões no pagamento do SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA para 2020?
Na PLOA 2021, a previsão para o pagamento do SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA, solicitada pelo governo Bolsonaro, em vias de aprovação no Congresso Nacional, gira em torno de R$ 2,232 trilhões – R$ 361 bilhões de JUROS e R$ 1,871 trilhão de AMORTIZAÇÃO. Em relação ao gasto executado em 2019 com o SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA (R$ 1,038 trilhão) haverá um crescimento de cerca de R$ 1,194 trilhão, ou seja, mais de 115%, destinado ao grande capital financeiro rentista.
https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-orcamentarias/loa/2021/tramitacao/proposta-do-poder-executivo
Você sabe o porquê do crescimento de mais de 115% no pagamento do SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA?
Esse privilégio para o pagamento do SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA está garantido na Constituição Federal, com a inclusão da alínea “b” no Art. 166, parágrafo 3, inciso II. Essa inclusão, feita no apagar das luzes da constituinte, garantiu o privilégio para o pagamento do SERVIÇO DA DÍVIDA PÚBLICA, sem dotação orçamentária. Por isso não há nenhuma possibilidade de fazer emendas relativas ao pagamento do serviço da dívida pública.
A inclusão da alínea “b”, que não foi votada no primeiro turno da Constituinte, mudou o mérito do parágrafo 3. De acordo com o Regimento Interno da Constituinte, não poderia haver alteração com mudança de mérito. Nesse caso, a inclusão da alínea “b” alterou o mérito do artigo 166, parágrafo 3, tendo sido, portanto, uma fraude constitucional.
Podemos concluir que a proposta do governo Bolsonaro para uma drástica Reforma Administrativa não está baseada em dados reais da economia do Brasil. Na realidade nem é Reforma Administrativa, mas sim uma Reforma do Estado Brasileiro, com prevalência do Estado privado, entregando o fundo público (Orçamento Geral da União) ao grande capital financeiro rentista, em detrimento do “Estado Estatal” que deveria estar a serviço do povo brasileiro.
O desmonte do Estado pelo governo Bolsonaro traz de volta o loteamento dos serviços públicos, situação anterior à Constituição Federal de 1988, quando os políticos, as famílias tradicionais, os empresários e os militares, dividiam as vagas na administração pública, lembra-se disso? Agora, com a PEC 32, mais dois setores serão incorporados a esse loteamento: as igrejas evangélicas e os milicianos.
Por isso a necessidade de extinguir os concursos públicos estatutários, fragilizando o elo entre a sociedade e o Estado que é o servidor público, admitindo contratações de empregados públicos, regidos pela CLT, flexibilizada pela reforma trabalhista, por tempo indeterminado e trabalhadores temporários, por tempo determinado, sem estabilidade, o que possibilitará a demissão dos trabalhadores (as) públicos.
Haverá a quebra do Regime Jurídico Único (RJU), colocando as atuais carreiras e seus servidores em quadro em extinção, com graves consequências para toda a sociedade, principalmente para os mais pobres, que dependem diretamente dos serviços públicos estatais.
FALÁCIAS: TAXA SELIC, A MAIS BAIXA DA HISTÓRIA BRASILEIRA
Para que serve a taxa básica de juros – SELIC mais baixa da nossa história (2% ao ano), se o custo médio da DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, acumulado nos últimos 12 meses (até julho/2020), foi de 8,73%?
Você sabe o que é ganho real?
O conceito de ganho real ou rentabilidade real está relacionado aos efeitos da inflação em um determinado período. A rentabilidade real de um investimento, por exemplo, é o ganho que tivemos, de fato, em uma aplicação, descontada a inflação durante o período da aplicação.
Qual o impacto da Taxa Selic, mesmo sendo a mais baixa da nossa história, no custo médio da Dívida Pública Federal? Nenhum!
Você sabe qual foi o ganho real da Dívida Pública Federal acumulado nos últimos doze meses até julho de 2020?
O Custo Médio da Dívida Pública Federal (últimos 12 meses até julho – 8,73%) menos o IPCA (últimos 12 meses até julho – 2,31%) é igual a 6,42%. Ou seja, o ganho real foi de 6,42%, quase três vezes o crescimento médio do PIB mundial em 2019 que foi de 2,5%.
Diante desse ganho real você acha que os bancos estão interessados em baixar os juros dos empréstimos pessoais? O pior, sem realizar nenhum trabalho, pois o Banco Central garante os lucros aos Dealers, através dos leilões de títulos da dívida pública federal. Como há uma simbiose entre o capital especulativo e o produtivo, as grandes corporações não estão interessadas em investir no aumento da produtividade ou na criação de postos de trabalho, mas sim em garantir altos lucros a partir dos investimentos nos títulos da dívida pública.
Fontes: https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/relatorio-mensal-da-divida-rmd/2020/7
https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros
https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php
Custo médio da Dívida Pública Federal acumulado nos últimos 12 meses = 8,73%. Apesar da taxa SELIC ser a mais baixa da nossa história (2%) isso não determina o custo da Dívida Pública Federal (8,73%).
Você tem ideia do significado de um ganho real anual de 6,42% com títulos da Dívida Pública Federal?
Vamos comparar o crescimento médio do PIB Mundial (2,5%) em 2019 com o custo da dívida pública federal nos últimos 12 meses. O ganho real foi quase duas vezes e meia o crescimento médio do PIB mundial.
O que você acha disso?
Você sabe o que é um Dealer?
Dealer é uma palavra da língua inglesa que na tradução para o português significa “negociante”. No poker, dealer é o nome que define o jogador que dá as cartas para os outros jogadores. Mas o Banco Central do Brasil usou essa palavra em inglês para definir “quem dá as cartas” na economia brasileira, na compra e venda dos títulos da Dívida Pública Federal, no caso, o setor financeiro bancário. Veja a relação dos 14 bancos nacionais e internacionais dos Dealers de julho de 2020.
São os Dealers que participam do leilão de títulos públicos e obrigam o governo a pagar o melhor valor pelo Título da Dívida Pública.
Você acha que o grande capital financeiro rentista e as grandes corporações estão interessadas em abrir empresas, investindo na produção, criar postos de trabalho, diante de aplicações que rendem ganhos reais desse tamanho numa economia mundial totalmente paralisada?
TESOURO NACIONAL GASTOU QUASE R$ 3 TRILHÕES COM O BANCO CENTRAL NOS ÚLTIMOS 10 ANOS.
Aqui estão as provas de quase 3 trilhões emitidos pelo Tesouro Nacional para o Banco Central, sem custo algum, financiar o grande capital financeiro rentista.
https://auditoriacidada.org.br/conteudo/tesouro-gastou-quase-r-3-trilhoes-com-o-banco-central/
Como pode o governo Bolsonaro afirmar à sua população que o país está quebrado, diante de um saldo de R$ 4,675 trilhões no cofre do governo? Na tabela 4 do Banco Central sobre a dívida pública líquida podemos ratificar o saldo de agosto de 2020 no cofre do governo.
Nas operações compromissadas1 cerca de R$ 1,596 trilhão + Conta Única do Tesouro R$ 1,068 trilhão + saldo Reservas Internacionais agosto/2020 – US$ 356 bilhões (x R$ 5,65 = R$ 2,011 trilhões)
Fonte: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasfiscais – Planilha -Tabela 4
https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/reservasinternacionais
Diante dessas cifras gigantescas podemos constatar que o principal problema do Brasil não é de falta de dinheiro, mas a sua destinação pelo governo. Salvar vidas diante da pandemia ou garantir os lucros crescentes ao setor financeiro e as grandes corporações?
* Paulo Lindesay – Diretor da ASSIBGE-SN/Coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã RJ