“A ausência da auditoria é que tem levado o país ao caos”, por Maria Lucia Fattorelli

Compartilhe:

A sentençai proferida pelo MM. Juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara da Justiça Federal no Distrito Federal, reconheceu a legitimidade da associação Auditoria Cidadã da Dívida como parte autora da ação e determinou liminarmente a instalação da CPI Mista no Congresso Nacional, com o intuito de realizar auditoria da dívida pública, como previsto no Art. 26 do ADCT da Constituição Federal.

Cabe ressaltar que o Ministério Público Federal se manifestouii favoravelmente acerca da legitimidade do pleito e da pertinência do pedido.

Antes de completadas 24 horas da brilhante sentença proferida pelo MM. Juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, o desembargador Carlos Moreira Alves cassou a liminar e suspendeu os efeitos da sentença, sob alegação de que tal suspensão seria necessária para “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”, conforme trecho colado a seguir:

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal irá apreciar o nosso recurso de apelação no próximo dia 29 de abril, quando pediremos a anulação da decisão monocrática que suspendeu os efeitos da liminar concedida pelo MM. Juiz da 14ª Vara da Justiça Federal, tendo em vista que os fatos verificados na prática demonstram que o argumento que levou àquela revogação são completamente invertidos e equivocados, pois é justamente a ausência da auditoria da chamada dívida pública é que tem sido responsável pela “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”, como se demonstrará.

A ausência de auditoria da dívida pública tem possibilitado o seu uso para acobertar mecanismos financeiros altamente lesivos às contas públicas e à sociedade.

Dentre os diversos mecanismos já detectados pela associação Auditoria Cidadã da Dívida destaca-se a utilização de títulos da dívida emitidos pelo Tesouro Nacional para remunerar diariamente os bancos, abusando-se das chamadas “Operações Compromissadas” que, na prática, têm funcionado como um “overnight”, conforme noticiadoiii:

Além de utilizar elevadíssimo volume de títulos da dívida pública, que são doados pelo Tesouro Nacional ao Banco Central, essa operação tem consumido recursos públicos em volume que, somado ao custo dos títulos, alcançou quase três trilhões de reais aos cofres públicos em 10 anos, como demonstrado na tabela seguinte:

A associação Auditoria Cidadã da Dívida chegou a lançar novelaiv “Assalto aos Cofres Públicos” para popularizar o conhecimento dessa operação, tendo em vista a tentativa de legalizá-la e torná-la ainda mais nociva mediante a instituição de “depósito voluntário remunerado” pelo Banco Central aos bancos.

Em relação à dívida externa, apesar de possuirmos mais de 350 bilhões de dólares em Reservas Internacionais, o Tesouro Nacional tem feito emissões de títulos da dívida externa de vários bilhões de dólares, sob a justificativa de balizar os juros externos, o que não tem sentido algum!

O gasto com juros e amortizações dessa chamada dívida pública tem consumido a maior parcela do orçamento federal anualmente e, mesmo durante a pandemia do coronavírus, em 2020 o gasto com a dívida foi o que mais cresceu, como explicado em recente artigov e gráfico retratado a seguir:

O Tribunal de Contas da União já declarou que a dívida pública não tem servido para investimentos no paísvi e, no artigovii “Para que tem servido a Dívida Pública no Brasil”, estão explicados alguns mecanismos que distorcem completamente o uso do que deveria ser a dívida pública.

O mais grave é que a dívida pública gerada por esses mecanismos ilegítimos tem sido a justificativa para contínuas privatizações de patrimônio público e contrarreformas (que cortam direitos da sociedade para que sobrem mais recursos para o pagamento da dívida, a exemplo das sucessivas reformas da Previdência que limitam inclusive a aposentadoria de magistrados ao teto do INSS, reduzem pensões, adiam o direito à aposentadoria, entre outros danos).

Para privilegiar o pagamento da chamada dívida pública que, como dito, tem sido gerada por diversos mecanismos financeiros que favorecem principalmente o setor financeiro, várias medidas lesivas à sociedade e à economia do país têm sido aprovadas pelo Congresso Nacional, transformando a Constituição Federal em constituição do mercado, por exemplo:

  1. Emenda Constitucional 95, que estabeleceu teto de gastos somente para as despesas primárias (gastos com a estrutura do Estado e com os serviços prestados à população), deixando fora do teto, sem controle ou limite algum, os gastos com a chamada dívida pública.

  2. Emenda Constitucional 109, que insere no texto da Constituição Federal a recessiva política de ajuste fiscal, como explicado em artigoviii, a fim de que todos os gastos públicos (exceto os gastos financeiros com a própria dívida), em todas as esferas, fiquem submetidos a um novo subteto, a fim de que sobrem mais recursos ainda para a chamada dívida pública. A mesma emenda admite que os recursos existentes na Conta Única do Tesouro Nacional (superávit financeiro), ainda que vinculados às áreas sociais, sejam destinados ao pagamento da dívida pública, o que pode ser considerado um verdadeiro roubo!

Esses breves exemplos demonstram que, ao contrário do que se argumenta na decisão monocrática que revogou a sentença do MM. Juiz da 14ª Vara da Justiça Federal, a ausência de auditoria da dívida tem levado o nosso país ao caos, produzindo crise (ver vídeoix e artigosx) e garantindo imensos lucros para os bancos, mesmo durante a pandemia, suprimindo recursos que deveriam destinar-se a áreas essenciais, em especial Educação, Ciência & Tecnologia (áreas que vêm perdendo recursos, comprometendo o futuro do país), e Saúde, onde a falta de investimentos necessários tem sido responsável por centenas de milhares de mortes de brasileiros e brasileiras! Enquanto essas áreas e toda a estrutura do Estado são sacrificadas e o PIB brasileiro encolhe, os lucros dos bancos batem recorde, pois estes são os maiores beneficiários dessa chamada dívida pública nunca auditada!

A auditoria da dívida deveria ser uma rotina constante! O atraso de mais de 30 anos no cumprimento da Constituição já provocou incalculável prejuízo à nação brasileira. Esperamos que com essa ação esse dano seja estancado, a fim de que seja devidamente auditada a dívida e interrompidos os espúrios mecanismos de subtração de recursos públicos que têm impedido o nosso desenvolvimento socioeconômico.