Extra Classe: Jogada contábil da Securitização de Créditos Públicos, por Maria Lucia Fattorelli e Cristiano Luiz Girardello
A engenharia financeira do esquema de “Securitização de Créditos Públicos” envolve a entrega do fluxo de arrecadação do ente público (estado ou município), como garantia de pagamento dos valores dos juros e amortizações da dívida gerada por esse esquema (representada por debêntures sênior emitidas por empresa interposta).
O fluxo de arrecadação cedido é direcionado para um conjunto de Contas Vinculadas ao esquema, criadas na rede bancária, onde é feita a segregação dos recursos, destinando-se parte aos debenturistas (em pagamento dos juros e amortizações das debêntures sênior), e parte é finalmente repassada ao ente público (em pagamento das debêntures subordinadas emitidas para formalizar a garantia prestada pelo ente público).
O critério para essa segregação de recursos foi desvendado durante os trabalhos da CPI da PBH Ativos na Câmara Municipal de Belo Horizonte, quando o presidente da referida empresa, Edson Ronaldo Nascimento, no ano de 2014, prestou o seu depoimento e explicou que os recursos destinados ao pagamento da dívida gerada pela Securitização de Créditos Públicos (juros e amortizações aos debenturistas que haviam adquirido as debêntures sênior) provinha dos juros e multas pagos por contribuintes ao ente público, senão vejamos:
De onde saem os juros foram pagos ao agente financeiro? Foi estabelecido o contrato, como eu falei, já estava assinado quando cheguei aqui. O que eu acho correto. De onde que sai os juros? Vocês imaginam quando nós fazemos um REFIS, a pessoa quando vai ingressar, quando vai pra Dívida Ativa, com os seus parcelamentos, você tem lá o principal da dívida, os juros e tem mais as multas e aquelas penalidades, né? Então esses juros aqui, isso foi fácil demonstrar, né? Esses juros saíram das multas e das penalidades. O Município não pode abrir mão da receita, aí é Lei de Responsabilidade Fiscal e recai sobre o município, não sobre a empresa. Chama-se lá de renúncia de receita pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Se o Município tivesse de pagar isso aí ele faria uma renúncia de receita. Então de onde que saiu esse recurso? É como se fosse um REFIS, ao invés de você cobrar, quando você faz o REFIS você diminui a multa e os juros. Então se fez um trabalho aqui, o Dr. José Afonso, hoje é secretário de Estado de Fazenda, uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço, ele se baseou no que acontecia no governo do Estado de Minas Gerais e copiou isso aqui pra Belo Horizonte e fez corretamente, por que os juros não são pagos pela Prefeitura; do ponto de vista econômico-financeiro, está sendo pago pelo inadimplente, pelo sujeito que não está pagando a sua conta, e em cima da prestação atualizada monetariamente ele ainda vai ter que pagar juros e multa. Então, é sobre juros e multas que se paga essa dívida e ainda sobrava recurso para a PBH Ativos. A PBH Ativos sobrevivia ainda de uma parte desses juros e multas, era tão grande os juros e multas, e eu concordo, da forma que foi feito aqui, era tão penosa esses juros e multas no município que dava para pagar todos os juros da operação e ainda sobrava para sobrevivência da PBH Ativos, mas não interferia no principal. Aí é Lei de Responsabilidade Fiscal, do principal atualizado.
(Confira o depoimento realizado por Edson Ronaldo Nascimento à Câmara Municipal de Belo Horizonte)
Assim, de acordo com este relevante depoimento à CPI da PBH Ativos S/A, depreende-se que o valor que o Município de Belo Horizonte se comprometeu pagar ao agente financeiro (naquele caso, o BTG), era deduzido do valor das multas e juros arrecadados de contribuintes.