Chantagem e extorsão: como o FMI lida com a dívida grega (áudios vazados)

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O site WikiLeaks divulgou, no início do mês, uma conversa entre três integrantes do alto escalão do Fundo Monetário Internacional (FMI), que nos dão a noção exata dos termos utilizados utilizados pela instituição para lidar com a dívida pública de países “soberanos”. Neste caso, a Grécia.

O áudio transcrito relata uma conversa acontecida em 19 de março, por teleconferência, em Atenas, entre o diretor do departamento europeu e negociador-chefe, Poul Thomsen (dinamarquês), a chefe da missão na Grécia, Delia Velculescu (romena), e a chefe da equipe técnica, Iva Petrova (búlgara).

O diálogo trata sobre a descrença dos representantes do FMI em aceitar as perspectivas gregas e alemãs para o pagamento da dívida e em quais estratégias devem ser adotadas para garantir o pagamento, impondo, mais uma vez, medidas de austeridade, como cortes de aposentadorias e vencimentos de funcionários e aumento do imposto sobre alimentos de primeira necessidade.

Veja a conversa abaixo. Os comentários são da Carta Capital.

Thomsen: O que vai nos levar a um ponto de decisão? No passado, houve só um momento quando a decisão foi tomada e foi quando eles estavam prestes a ficar seriamente sem dinheiro e entrar em moratória. Certo?

Velculescu: Certo.

T: Possivelmente é o que acontecerá de novo. Nesse caso, isso se arrasta até julho e claramente os europeus não discutirão nada por um mês antes do Brexit (referendo britânico de 23 de junho, sobre a permanência ou não do país na UE) e recomeçarão depois.

V: Certo.

T: É uma possibilidade. A outra, que estou surpreso que ainda não tenha acontecido, é que, por causa da situação dos refugiados, eles queiram chegar a uma conclusão. Ok? E os alemães levantam o assunto da gestão… e, nesse momento, dizemos:Olhe, senhora(Angela) Merkel, você tem de pensar o que lhe traz mais custos. Ir em frente sem o FMI, e aí o Parlamento Alemão vai questionar: ‘O FMI não participa?’, ou escolher o alívio da dívida que julgamos necessário para estarmos dentro”.

V: Correto! Quando vai acontecer? Não sei, estou surpresa de que ainda não tenha acontecido. Gostaria que fosse o mais breve possível. Espero que aconteça com essas discussões sobre a dívida que começam no meio de abril (sobre a próxima fatia do resgate, no valor de 5 bilhões de euros).

T: Mas isso não é um evento. Isso não os fará… Essa discussão pode demorar muito. E eles vão deixando pra depois… Por quê? Porque não estão perto do evento, qualquer que seja.

V: Concordo que precisamos de um evento, mas não sei qual. Acho que (Jeroen)Dijsselbloem (presidente do Eurogrupo) está tentando evitar um evento, mas começar essa discussão sobre a dívida, que essencialmente é sobre nós continuarmos ou não a bordo.

T: É, mas você sabe, essa discussão pode continuar para sempre, até chegar o pagamento de julho ou até os líderes decidirem que precisamos chegar a um acordo. Mas não há nada que force um compromisso. Certo? Isso vai continuar para sempre.

V: Vai, sim, até julho, se nada acontecer antes, concordo.

Perto do final, Velculescu faz um resumo de sua visão da situação:

V: Há um cenário no qual eles (os gregos) serão pressionados o suficiente. Acho que é politicamente possível para eles ceder em ambas as coisas (superávit de 2,5% e “esse negócio de Mickey Mouse”, reformas neoliberais das quais Thomsen parecia disposto a abrir mão), mas não têm nenhum incentivo e sabem que a Comissão (Europeia) está disposta a transigir, esse é o problema. Entramos nessa negociação com a estratégia errada, porque negociamos com a Comissão uma posição mínima sem poder ir além, enquanto a Comissão parte desse ponto para ir mais longe. Esse é o problema. Não negociamos com a Comissão para propor aos gregos algo muito pior, propusemos o mínimo que estávamos dispostos a considerar e agora eles dizem que “não estamos negociando”.

Trocando em miúdos: o “evento” aos quais os negociadores se referem é uma crise financeira capaz de levar a Grécia à moratória, provavelmente em julho (próximo vencimento da dívida grega). Pretendem chantagear a primeira-ministra alemã com a ameaça de retirar seu apoio e aval e deixar a responsabilidade nas mãos de Bruxelas e do BCE, situação inaceitável para o Parlamento de Berlim. Esperam, com isso, forçar um acordo nos seus termos.

Você pode ler a matéria da Carta Capital sobre o assunto aqui ou o texto de Julian Assange no WikiLeaks (em inglês) aqui.

Auditoria Cidadã da Dívida