NOTA TÉCNICA ACD 5/2020 Breve análise do Substitutivo da PEC 10/2020 em votação na Câmara dos Deputados em 04.05.2020

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Em outubro de 2019, no evento NPL Global realizado em Londres, representantes do mercado financeiro já buscavam soluções criativas para a destinação de ativos problemáticos em poder da banca.
A empresa IVIX Value Creation, autora do levantamento publicado em novembro de 2019 pelo Estadão sobre a “carteira podre” de bancos brasileiros no valor de R$ 1 trilhão (sem contar a correção pela inflação) participou do evento junto com representantes de bancos brasileiros.
A PEC 10 lançada em abril de 2020, em seu art. 8o, concretiza a “oportunidade de negócio” que a banca planejava!
Trilhões de papéis podres acumulados há 15 anos nos bancos poderão ser transformados em DÍVIDA PÚBLICA PARA O POVO PAGAR com o saque de recursos orçamentários que cortarão recursos destinados aos direitos e todas as áreas do Estado, com entrega de patrimônio público nas privatizações e como completo impedimento ao nosso desenvolvimento socioeconômico!
Parlamentares serão cobrados por esse voto!

Maria Lucia Fattorelli

Em pleno estado de calamidade pública, enquanto a sociedade enfrenta alarmante drama social agravado pela desigualdade extrema e insuficiência de serviços de saúde e assistência, a banca oportunista se aproveita da pandemia do coronavírus e do tumulto gerado por crise política para aumentar ainda mais os seus privilégios por meio de grave mecanismo financeiro incluído na PEC 10, que irá destruir as finanças públicas e alimentar ainda mais o Sistema da Dívida.

Tal mecanismo não têm nada a ver com a pandemia do coronavírus; não representa ajuda alguma ao Estado, pelo contrário, irá agravar ainda mais a situação, pois gera dívida pública sem contrapartida alguma, a qual passa a exigir mais e mais dinheiro público para o seu pagamento, sangrando os orçamentos públicos e reduzindo direitos sociais, além da perda de patrimônio público continuamente privatizado “paga pagar dívida pública”.

O Art. 8o da PEC 10/2020 representa imenso golpe financeiro contra o povo brasileiro, pois provocará o aumento de trilhões no estoque da dívida pública, ou seja, um rombo de trilhões de reais aos cofres públicos e à sociedade, em troca da “carteira podre” dos bancos!

Essas afirmações estão comprovadas em documentos e declarações públicas de autoridades:

  • O presidente do Banco Central informou ao Senado que a operação chegará a R$972,9 bilhões (i)   porém, levantamento feito pela IVIX Value Creation (ii) já havia revelado que a “carteira podre” dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 Trilhão, sem considerar a correção monetária! Se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento!
  • Na última semana o ministro Paulo Guedes anunciou que quer vender reservas internacionais para pagar dívida pública (iii) ! Falou também sobre a aceleração das privatizações de R$ 1 trilhão de imóveis públicos, e mais R$ 1 trilhão de participações em estatais (iv), também para pagar a dívida pública.
  • A PEC não estabelece limite algum para a operação que autoriza que o Banco Central opere com títulos da dívida pública em mercado secundário desregulado (de balcão), atuando como um mero operador independente, podendo comprar derivativos sem lastro e debêntures de bancos, sem limite de valor, sem identificar os beneficiários, sem obedecer aos “Procedimentos Mínimos” recomendados pela Anbima, sem a possibilidade de investigação efetiva, sem limitar o prazo dos papéis, sem a exigência de contrapartida alguma ao país, e mais: pagando tudo isso com títulos da dívida pública, cujo peso recairá sobre o povo brasileiro (v) .
  • Por isso, a própria PEC 10/2020 já incluiu outro dispositivo infame, que autoriza a emissão de novos títulos da dívida pública para pagar os juros, ou seja, a dívida vai aumentar de forma exponencial tanto por causa da absorção de papelada podre da banca pelo Banco Central às custas da geração de dívida pública, como também pela emissão de mais títulos para pagar os seus juros!

A Auditoria Cidadã da Dívida já enviou NOTIFICAÇÃO (vi) EXTRAJUDICIAL a todos(as) deputados(as) federais para garantir que cada parlamentar tomou conhecimento dos diversos e graves problemas de ordem jurídica, constitucional, econômico-financeira e social envolvidos na PEC 10/2020, assim como os seus impactos danosos à sociedade brasileira, e assegurar que todos que irão votar a referida PEC 10/2020 em plenário deem conhecimento a seus pares e deliberem, no âmbito de suas responsabilidades político-parlamentares, as medidas necessárias para que sejam superados os diversos problemas elencados na Notificação Extrajudicial, previamente à deliberação da referida proposta pelo Plenário da Câmara dos Deputados. A Auditoria Cidadã da Dívida pediu ainda que a referida NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL conste dos anais da sessão que analisar a referida PEC 10/2020 na Câmara dos Deputados.

Alertamos os Deputados e Deputadas Federais que irão votar essa PEC 10/2020 para o fato de que a PEC 10, em seu art. 8o, concretiza a “oportunidade de negócio” que a banca já planejava em 1 e 2 outubro/2019, quando foi realizado o grande evento Global NPL em Londres, onde já se falava na busca de soluções criativas para a utilização dos papéis podres face à crise do Covid-19, conforme trechos da pesquisa (vii) transcritos a seguir:

Dias 1-2 de Outubro de 2019, em Londres – Global NPL
A Global NPL é um evento que vem acontecendo desde, pelo menos, 2016. O site do evento dos dias 1-2 de Outubro de 2019, em Londres – no qual participou a IVIX VALUE CREATION (viii) , representada por Pedro Guizzo – ainda explica que o encontro vem “Explorando oportunidades de investimento no mercado global em dificuldades” e cita diversos nomes de produtos financeiros na propaganda do evento:

  • Non-Performance Loans (NPL – empréstimos não pagos há mais de 90 dias, dentre os quais podem ser incluídas as “cédulas de crédito bancário” mencionadas no texto PEC 10 votado no Senado);
  • Single Tickets (Bilhetes individuais);
  • Real Estate Owned (REOs – semelhante às “cédulas de crédito imobiliário” mencionadas no texto PEC 10 votado no Senado)
  • Distressed Real Estate (semelhante aos “certificados de recebíveis imobiliários” mencionadas no texto PEC 10 votado no Senado)
  • Distressed M&A (Oportunidades de negócios (ix)  com debêntures de empresas em dificuldades, visando eventos de fusão dessas empresas. As “debêntures” também constaram no texto PEC 10 votado no Senado);
  • Situações Especiais.

Participam neste evento empresas financeiras ligadas a Fundos Problemáticos ou Tóxicos (Distressed Funds); Compradores de Ativos Tóxicos que irão empacotar e produzir novos derivativos a partir desses pacotes, empresas de tecnologia, prestadores de serviços financeiros etc.

O grande evento Global NPL é organizado pela empresa Smith Novak, que se descreve como “(…) uma empresa de eventos fundada em 2005, criando mais de 200 conferências internacionais para o setor de Serviços Financeiros, com foco especial em NPL [Títulos privados tóxicos, destacando-se os empréstimos que não estão sendo pagos há mais de 90 dias] e Fintech [novas empresas que estão sendo criadas para prestar serviços financeiros diversos]…. A SmithNovak é um parceiro conhecido e confiável para o mercado global de títulos privados tóxicos (NPL) organizando mais de 30 cúpulas específicas do setor desde 2014 e atraindo mais de 5000 delegados de 1000 empresas em todo o mundo. Realizam recentemente 2 eventos emblemáticos em Londres, além de cúpulas regionais em Madri, Milão, Praga e Atenas.”

Pandemia Covid-19 foi tema do grande evento Global NPL em Outubro de 2019

Em 2010, já se falava sobre os impactos de uma Pandemia no mercado financeiro, quando a Fundação Rockefeller emitiu um relatório com 4 cenários futuros em potencial e um deles descreve um cenário de Pandemia de “uma nova cepa de influenza originária de gansos selvagens – extremamente virulenta e mortal”, sendo tal cenário quase 100% igual ao cenário de Pandemia que estamos vivendo hoje. Em Outubro de 2019 também já se abordava o mesmo cenário no Event 201, patrocinado pelo Fórum Econômico Mundial, pela Fundação Bill & Melinda Gates e pela Escola de Saúde Pública Johns Hopkins. Conforme foto abaixo, do site do grande evento Global NPL, diversas questões ligadas à pandemia do coronavírus já estavam sendo debatidas, assim como as novas oportunidades de negócios com os ativos privados problemáticos: “Quais são os efeitos do vírus no mercado global de NPL? O coronavírus Covid-19 criou um dos ambientes mais difíceis e desafiadores para o mercado global de empréstimos vencidos, com negócios em espera, servidores incapazes de coletar e uma incerteza significativa no futuro. Este evento ocorre logo após a tempestade passar e representará um momento ideal para discutir os reais efeitos do vírus em todo o mercado. As principais perguntas a serem discutidas incluirão; haverá um fluxo de tsunami de novas inadimplências? Os Servidores poderão coletar? O apetite do investidor continuará? Em quanto os preços das carteiras cairão e onde estão os novos hotspots? Junte-se a nós em Londres com mais de 500 delegados de todo o mundo, incluindo os principais investidores, AMCs, servidores, originadores e consultores para discutir quais são os efeitos do vírus no mercado e onde estão as novas oportunidades.

Não é qualquer pessoa que participa do Global NPL. Além de todos os custos de viagem e hospedagem, a inscrição para o evento 1-2 de Outubro de 2020, em Londres, custa £ 1899 = R$ 12.533,40 (câmbio de 20.04.2020 £ 1 = R$ 6,60). Interessante observar que este evento tem como principal parceiro um escritório de advocacia brasileiro, o Galdino & Coelho Advogados, o qual também tem laços com o Jornal O Estado de São Paulo, ou Estadão, que publicou em Novembro de 2019, em destaque, o levantamento de R$ 1 trilhão sobre a “carteira podre” de bancos brasileiros, feito pela IVIX VALUE CREATION, que também teve o privilégio de participar do grande evento Global NPL em Outubro de 2019.

Na lista de parceiros e patrocinadores deste evento de encontramos a BrD – Brasil Distressed – descrita no site da Smith Novak como “uma empresa brasileira especializada em investir em ativos em dificuldades, adquiridos com desconto a valor nominal. Os ativos são adquiridos de instituições financeiras, investidores, fornecedores e outros credores. Estamos interessados ​​em adquirir empréstimos ou carteiras individuais que não são mais estratégicas para o vendedor. A BrD está focada principalmente no segmento corporativo e considerará créditos em qualquer tomador de empréstimo no Brasil. Não estamos envolvidos no segmento de pessoas físicas, como créditos ao consumidor, cartões de crédito e empréstimos consignados, etc. Após uma compra, iniciamos um processo de cobrança e nos esforçamos por uma solução rápida por meio de negociações cuidadosas e soluções criativas. Como parte de um acordo de liquidação, podemos considerar a aceitação de certos bens (pagamento em espécie) ou uma troca por outros créditos que o mutuário ou o garante. Outra opção é a venda do ativo a outros investidores. Nossa decisão de investimento é baseada em uma análise da situação atual de um ativo específico e nas opções disponíveis para uma rápida resolução. Evitamos nos envolver no histórico e no legado emocional de uma determinada transação. Dado o alto risco financeiro e operacional de nossa atividade, a BrD se concentra em oportunidades de investimento que gerarão taxas de retorno acima da média geralmente encontradas no mercado financeiro.”

16 de Outubro de 2019 – Participação da Ivix Value Creation, juntamente com grandes bancos brasileiros, no grande evento Global NPL

A IVIX Value Creation anuncia que participou no Global NPL representada também por Pedro Guizzo, na qualidade de Chartered Financial Analyst (CFA – Analista Financeiro Certificado) e de Manufacturing Process Management (MPM – Gerenciamento de Processo de Produção), ao “lado de grandes jogadores brasileiras, como o Itaú Unibanco”, o Banco que foi identificado no levantamento feito a pedido pelo Jornal O Estado de São Paulo, como respondendo “pelas maiores perdas (de cerca de R$ 250,4 bilhões no acumulado de 2004 até primeiro semestre deste ano [2019])”, conforme reportagem detalhada a seguir.

11 de novembro de 2019 – O jornal Estadão publica com destaque o LEVANTAMENTO DE QUASE R$ 1 TRILHÃO DE “CRÉDITOS PODRES” NA CARTEIRA DE BANCOS BRASILEIROS

O Jornal Estadão divulga em 11/11/2019, um levantamento encomendado à IVIX Value Creation sobre a “carteira podre” em poder de bancos no Brasil, cujos resultados foram explicados por Pedro Guizzo, sócio fundador da Ivix (que esteve presente no grande evento Global NPL): “O tamanho do mercado de dívidas em aberto no Brasil – de pessoas físicas e empresas – é estimada em cerca de R$ 600 bilhões até o segundo trimestre deste ano [2019], valor considerado recorde, segundo a Prime Yield, consultoria portuguesa de avaliação patrimonial. Mas, se considerado dos débitos acumulados nos últimos 15 anos, chega a quase R$ 1 trilhão: R$ 915 bilhões, sem correção da inflação, de acordo com levantamento da Ivix, especializada em reestruturação de empresas em crise, a pedido do Estado.”

Quando o levantamento feito pela IVIX Value Creation foi divulgado, a expectativa era de que a economia entraria em fase de retomada do crescimento, como divulgado na matéria. Em vez disso, veio a crise da pandemia e novas oportunidades de negócios, que a PEC 10/2020 concretiza.

1o de Abril de 2020 – Rodrigo Maia protocola o texto da PEC 10/2020
Mudança na Constituição Federal em plena Pandemia do Covid-19
Banco Central comprará papéis podres de bancos, pagando com recursos públicos e/ou títulos da Dívida Pública
Presidente do Banco Central informa que o valor será de R$972,9 bilhões
Aumento exponencial da dívida pública
PEC 10 autoriza emitir novos títulos para pagar juros da dívida pública

Assim, dando concretude aos planos da banca, em 1º de abril de 2020 foi protocolada a PEC 10/2020, que rebaixa o Banco Central a mero agente independente do mercado de balcão, desvirtuando completamente as atribuições daquela autoridade monetária.

Segundo a PEC 10/2020, o Banco Central será uma das pontas do desregulado mercado de balcão, adquirindo derivativos sem lastro e debêntures, sem limite de valor, sem identificar os beneficiários, sem obedecer aos “Procedimentos Mínimos” recomendados pela Anbima (x), sem a possibilidade de investigação efetiva, sem limitar o prazo dos papéis (xi) , sem a exigência de contrapartida (xii) alguma ao país, e mais: pagando tudo isso com títulos da dívida pública, cujo peso recairá sobre o povo brasileiro!

O valor desse negócio bizarro será de R$972,9 bilhões (xiii) , como informado pelo presidente do Banco Central aos senadores em 09/04/2020, demonstrando que já naquela data ele tinha conhecimento preciso do conteúdo do pacote de créditos privados.

O valor informado pelo presidente do BC ao Senado coincide com o valor divulgado em matéria de capa do Estadão dia 11/11/2019, que cita levantamento feito pela IVIX Value Creation (xiv)  e revela que a “carteira podre” dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 Trilhão, sem considerar a correção monetária! Se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento!

Se a PEC 10 for aprovada, os bancos irão vender esses créditos diretamente para o Banco Central pelo preço que quiserem! E receberão, em troca, títulos da dívida pública brasileira e seus generosos juros!

Os parlamentares que estão votando essa PEC 10 devem solicitar ao Banco Central a completa discriminação dos beneficiários, o detalhamento dos riscos envolvidos e demais informações sobre cada um dos créditos privados englobados no valor de R$972,9 bilhões (xv)  informado pelo presidente do BC aos senadores em 09/04/2020, sob pena de assumirem a corresponsabilidade sobre tal operação às cegas.

As modificações superficiais inseridas no Senado não alteraram em absolutamente nada a essência da bizarra autorização para o Banco Central comprar derivativos e debêntures no mercado de balcão, sem limite de valor, sem divulgar o beneficiário do dinheiro público, etc. e pagar com dinheiro público, provocando o crescimento exponencial da dívida pública representada pelos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, e terá que imediatamente passar a pagar juros sobre essa dívida. É por isso que a PEC 10/2020 já inclui também em seu texto a autorização para emissão de novos títulos públicos para pagar juros!

O novo relator na Câmara dos Deputados suprimiu a discriminação dos tipos de títulos que o Banco Central poderá comprar, deixando em aberto a possibilidade de se adquirir qualquer tipo de papel existente na “carteira podre” dos bancos, como constou do levantamento feito pela IVIX Value Creation, já mencionado, cujo valor de quase R$ 1 trilhão coincide com o informado pelo presidente (xvi)  do Banco Central ao Senado.

O texto do Art. 8o em votação na Câmara dia 04/05/2020 é o seguinte:

Art. 8° O Banco Central do Brasil, limitado ao enfrentamento da calamidade pública nacional de que trata o art. 1°, e com vigência e efeitos restritos ao período de sua duração, fica autorizado a comprar e vender:
I – títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional; e
II – os seguintes ativos, em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros, de capital e de pagamentos, desde que, no momento da compra, tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, conferida por pelo menos uma das três maiores agências internacionais de classificação de risco, e preço de referência publicado por entidade do mercado financeiro acreditada pelo Banco Central do Brasil:
a) a f)
§ 1° Respeitadas as condições do inciso II do caput deste artigo, será dada preferência à aquisição de títulos emitidos por micro, pequenas e médias empresas.
§ 2° O Banco Central do Brasil fará publicar diariamente as operações realizadas, de forma individualizada, com todas as respectivas informações, incluindo condições financeiras e econômicas das operações, como taxas de juros pactuadas, valores envolvidos e prazos.
§ 3° O Presidente do Banco Central do Brasil prestará contas ao Congresso Nacional, a cada 30 (trinta) dias, do conjunto das operações previstas neste artigo, sem prejuízo do previsto no § 2°.
§ 4° A alienação de ativos adquiridos pelo Banco Central do Brasil, na forma deste artigo, poderá dar-se em data posterior à vigência do estado de calamidade pública nacional de que trata o art. 1°, se assim justificar o interesse público.

Essa redação admite a mera troca de quaisquer ativos podres em poder da banca por títulos da dívida pública brasileira!

A banca vai ficar livre de sua “carteira podre” de R$ 1 trilhão, de papéis acumulados há 15 anos, que ao ser computada a atualização monetária se chegará a vários trilhões!

Tudo isso será transformado em dívida pública!

A banca ficará com os títulos da dívida e ainda receberão os seu juros!

O Banco Central ficará com os papéis podres em seu balanço, gerando um prejuízo de trilhões.

Todo o prejuízo do Banco Central é transferido ao Tesouro Nacional.

O ministro Guedes já fala em vender patrimônio público (R$ 2 trilhões) e vender Reservas Internacionais (temos quase R$ 2 trilhões) para pagar dívida pública!

Reiteramos o alerta para o fato de que antes de autorizar tal operação, deputados(as) teriam que solicitar ao Banco Central a completa discriminação dos beneficiários, o detalhamento dos riscos envolvidos e demais informações sobre cada um dos créditos privados englobados no valor de R$972,9 bilhões informado pelo presidente do Banco Central aos senadores em 09/04/2020, sob pena de assumirem a corresponsabilidade sobre os danos provocados por tal operação às cegas.

O texto em votação:

– Mantém as operações a mercados secundários nacionais, o que não altera o risco e a obscuridade das operações nesse mercado de balcão, pois papéis relacionados a créditos internacionais podem ser negociados no mercado nacional;

– Prevê que os ativos que serão adquiridos pelo Banco Central tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, ou seja, coloca na Constituição que o BC poderá comprar ativos de “GRAU ESPECULATIVO”, que é o significado de BB-. Ademais, as agências classificadoras têm tido a sua conduta seriamente questionada, em especial desde a Crise de 2008, por atuarem a favor de suas contratantes, ou seja, os bancos, com evidentes conflitos de interesses. Também têm sido acusadas de fraudes até em processos movidos pelo governo dos Estados Unidos da América do Norte. Ademais, será altamente questionável a avaliação, por uma agência internacional de risco, de derivativos privados emitidos por empresas não-financeiras, sendo que tais ativos sequer são negociados em bolsas de valores! É evidente a impossibilidade de uma avaliação minimamente séria!

– Contém erro absurdo; uma verdadeira enganação, ao mencionar que dá a preferência à aquisição de títulos emitidos por micro, pequenas e médias empresas, o que denota desconhecimento quanto ao tipo de empresa que pode emitir ativos financeiros. Somente grandes empresas – S/A – podem emitir tais papéis, a não ser no caso de empresas de fachada, fantasmas, ou as novas empresas estatais não dependentes que têm sido criadas para operar esquemas financeiros fraudulentos da denominada Securitização de Créditos Públicos (estas costumam ser criadas com capital reduzido e emitem debêntures com garantia estatal elevadíssima). Adicionalmente, o próprio relator no Senado afirmou que nenhuma empresa seria beneficiada com recursos dessas aquisições feitas pelo Banco Central, e chegou a usar essa afirmação como argumento para rejeitar emendas de senadores que pediam contrapartidas (manutenção de empregos e não distribuição de lucros aos sócios). Os bancos é que serão os maiores beneficiários.

– Mantém a falta de transparência necessária, na medida em que, dentre as informações a que se propõe prestar, não inclui o nome dos beneficiários das operação e sequer atende as demais exigências indicadas como “Procedimentos Mínimos” determinados pela Anbima (xvii). Prevê apenas um pacote de números “com todas as respectivas informações, incluindo condições financeiras e econômicas das operações, como taxas de juros pactuadas, valores envolvidos e prazos”, o que está muito longe de alcançar o cumprimento do princípio da transparência.

– Mantém o pagamento de juros sobre o capital próprio e dividendos até o mínimo obrigatório estabelecido em lei ou no estatuto social, o que é inócuo, dado que o estatuto social pode ser alterado a bel prazer dos interessados. Ademais, não exige nenhuma contrapartida em termos de investimento da economia do país ou manutenção de empregos e pagamento de salários (o disposto no art. 4o está sendo excluído pelo relator na Câmara e não se aplicaria mesmo às operações sigilosas feitas pelo Banco Central).

– Mantém a remuneração, fixa ou variável, de diretores e membros do conselho de administração, no caso das sociedades anônimas, e dos administradores, no caso de sociedades limitadas, limitando-se a vedar apenas eventual aumento desses ganhos (em alguns casos altíssimo) de tais administradores.

– Mantém a insana modificação das funções institucionais do Banco Central, na medida em que mantém a autorização para o Banco Central atuar no desregulado mercado de balcão, como um agente independente, assumindo riscos e prejuízos dos bancos sem limite e sem exigir contrapartida alguma ao país.

– Mantém o uso de dinheiro público para a compra da carteira podre de bancos, com ônus de 100% ao Tesouro Nacional. Embora a menção do Tesouro tenha sido omitida no texto da PEC 10/2020, o Tesouro Nacional cobrirá de qualquer forma o ônus financeiro de tais operações, tendo em vista o disposto no art. 7º (§1º) da “Lei de Responsabilidade Fiscal”, segundo o qual os prejuízos do Banco Central são integralmente cobertos pelo Tesouro Nacional.

Mantém a transformação, em títulos da Dívida Pública, de trilhões de reais de derivativos, créditos incobráveis e papéis podres acumulados durante anos nas carteiras dos lucrativos bancos, que inclusive já se ressarciram dessas perdas por meio da provisão deduzida de seu lucro tributável em cada ano.

Mantém a geração de trilhões de reais de Dívida Pública completamente ilegítima, resultante da transformação de carteira podre de bancos.

– Mantém a prática de operações altamente temerárias para os cofres públicos, pois a avaliação de rating deve ser considerada apenas como uma informação adicional e não uma condição suficiente para a aquisição de créditos privados, conforme recomendação da Anbima em Parecer de Orientação 11/2008.

– Mantém a temeridade da operação em relação à instabilidade de preço de referência dos papéis no desregulado mercado secundário, em especial em tempos de crise, não sendo suficiente apenas uma informação emitida por alguma instituição do mercado que pode ser justamente a interessada em se livrar do crédito podre.

– Mantém a subserviência do Banco Central à instituição privada BIS, de onde emanam as determinações para essa atuação dos bancos centrais de vários países a serviço da banca privada.

– Mantém a ausência de motivação e justificativa minimamente plausível para a aquisição, pelo Banco Central, de títulos podres da carteira de bancos, no valor de trilhões de reais, às custas do Tesouro Nacional, sacrificando ainda mais o povo brasileiro.

Alertamos ainda os deputados(as) para o fato de que não foram apresentadas a justificação e a motivação para a inclusão no texto da PEC 10/2020 dessa estranha autorização para que o Banco Central opere no obscuro e desregulamentado mercado de balcão, adquirindo questionáveis títulos privados com recursos públicos da ordem de R$ 1 trilhão, como declarou o presidente do BC ao Senado, e cuja atualização monetária (levantamento da IVIX Value Creation (xviii) poderá chegar a vários trilhões, impactando gravemente o orçamento público e gerando Dívida Pública completamente ilegítima, resultante da mera assunção de carteira podre de bancos.

Alertamos para o fato de que a PEC 10/2020 faculta o Banco Central realizar funestas operações e “inovações” financeiras praticadas dos mercados autorregulados e acima do Estado, cujas consequências provocam a explosão da dívida pública e a consequente aplicação de medidas de austeridade e ajuste fiscal para pagar essa dívida, cortando toda a capacidade de investimentos sociais em áreas essenciais como saúde, educação e pesquisa científica, assistência social etc., além de suprimir direitos sociais, em especial os previdenciários e trabalhistas, aprofundando cada vez mais a desigualdade social, enquanto os lucros dos bancos seguem batendo recordes trimestrais bilionários.

Alertamos para a falta de urgência para a votação da PEC 10/2020, tendo em vista que o STF já afastou a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para os gastos relacionados ao combate à pandemia do coronavírus (xix), tendo em vistas que essas próprias leis já preveem exceções no caso de Estado de Calamidade, permitindo o descumprimento de metas de resultado primário e outras normas. Adicionalmente, temos mais de R$ 4 trilhões em caixa, dinheiro mais que suficiente e que pode ser usado para os gastos públicos relacionados à pandemia do coronavírus: saldo de R$ 1,4 trilhão na conta única do Tesouro Nacional (xx) , mais de R$ 1,7 trilhão em Reservas Internacionais (xxi), e cerca R$ 1 trilhão no caixa do Banco Central (xxii). Portanto, não existe a alegada “urgência”.

Alertamos ainque o conteúdo da PEC 10/2020 engloba dispositivo que “legaliza” a incorreta emissão de novos títulos para pagar juros, o que já vem sendo praticado de forma inconstitucional, pois burla o Art. 167, III conforme denunciado desde 2010 (xxiii). Tal mecanismo tem sido um dos principais responsáveis pelo aumento exponencial do estoque da dívida interna mobiliária federal. Em vez de suspender os pagamentos dos juros neste momento em que enfrentamos uma pandemia, tendo em vista que quem recebe juros pode esperar, a PEC 10/2020 caminha em sentido inverso e prioriza o gasto financeiro ao “legalizar” procedimento inconstitucional que tem prejudicado de forma grave as finanças nacionais.

Alertamos para o fato de que a autorização para que o Banco Central atue em mercado de balcão representa um rebaixamento da autoridade monetária do país a um mero operador independente do mercado financeiro, despendendo recursos públicos para a compra de títulos privados altamente questionáveis, que nenhuma outra instituição compraria, beneficiando unicamente instituições financeiras portadoras desses papéis há anos!

Alertamos que esse questionável conteúdo da PEC 10/2020 está em sentido oposto aos objetivos fundamentais da República (Art. 3º da Constituição), pois o seu custo elevadíssimo subtrairá trilhões para servir aos bancos, impedindo a destinação de recursos para o desenvolvimento nacional, impossibilitando também a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais. A PEC 10/2020 conflita também com os princípios da Economia de Francisco e Clara, que o Papa Francisco vem divulgando e convocando principalmente a juventude do mundo todo para debater, voltados para o respeito à vida das pessoas e da Natureza como um todo, e não mais aos lucros injustificáveis e predatórios.

O texto submetido à Câmara dos Deputados mantém a ausência de motivação e justificativa minimamente plausível para a aquisição, pelo Banco Central, de títulos podres da carteira de bancos, no valor de trilhões de reais, às custas do Tesouro Nacional, sacrificando ainda mais o povo brasileiro.

O art. 8o da PEC 10/2020 configura mero oportunismo, em plena crise provocada pela pandemia do coronavírus, pois em sua essência se resume à mera compra, pelo Banco Central, de carteira podre acumulada no passado por bancos, sem limite ou controle algum, transferindo-se todos os riscos e prejuízos desses lucrativos bancos para as costas do Tesouro Nacional! Não se tem notícia de operação semelhante por qualquer Banco Central do mundo!

Contamos com a seriedade e responsabilidade dos Senadores e Senadoras para rejeitar os Artigos 7o e 8o da PEC 10/2020, a fim de impedirem que as aberrações elencadas na presente Nota Técnica passem a fazer parte da Constituição e demais leis do país.

Brasília, 4 de maio de 2020

Coordenação Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

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i Fonte: https://www.moneytimes.com.br/ativos-privados-que-bc-pode-comprar-caso-pec-seja-aprovada-somam-r-9729-bilhoes/ também disponível em: https://auditoriacidada.org.br/presidente-do-banco-central-informa-a-senadores-que-as-operacoes-autorizadas-pela-pec-10-podem-chegar-perto-de-r1-trilhao/
ii Fonte: https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2019/11/epoca-negocios-retomada-da-economia-pode-destravar-carteira-de-r-1-tri-em-creditos-podres.html também disponível em https://auditoriacidada.org.br/grandes-jornais-revelaram-a-existencia-de-r1-tri-em-papeis-podres-nos-bancos/
iii Fonte: https://www.infomoney.com.br/economia/guedes-defende-reducao-de-reservas-internacionais-para-diminuir-divida-bruta/
iv Fonte: Vídeo com a fala do ministro em https://www.esmaelmorais.com.br/2020/04/paulo-guedes-quer-repassar-mais-r-2-trilhoes-aos-bancos-enquanto-o-povo-se-humilha-para-receber-r-600/
v Fonte: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/carta-aberta-dirigida-ao-presidente-e-demais-parlamentares-da-camara-dos-deputados-e-a-sociedade-em-geral-que-arcara-com-o-peso-dos-trilhoes-que-a-pec-10-transforma-em-divida-publica/
vi Fonte: https://auditoriacidada.org.br/notificacao-extrajudicial-alerta-deputados-dos-graves-danos-envolvidos-na-pec-10-2020/
vii Pesquisa completa disponível em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/pec10-concretiza-oportunidades-banca/
viii https://www.ivixvaluecreation.com/clipping
ix https://www.tmabrasil.org/blog-tma-brasil/artigos/distressed-investing-o-que-e-e-quais-oportunidades-no-brasil
x Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – Parecer de Orientação 11/2008
xi Segundo especialistas do mercado financeiro, os papéis financeiros podem ser renovados no sistema em minutos. Dessa forma, papéis acumulados a 15 anos na “carteira podre” dos bancos poderiam ser facilmente renovados para uma data recente nos sistemas internos dos bancos.
xii As contrapartidas (relacionadas à manutenção de empregos) inseridas no Art. 4o do texto da PEC 10 votado em segundo turno no Senado não alcança os beneficiários das compras de créditos privados pelo Banco Central, tendo em vista que:
– os beneficiários dessas operações feitas pelo BC não serão identificados, o que impede verificar o cumprimento de qualquer contrapartida;
– segundo o próprio relator Anastasia “a natureza do mercado secundário e as características dos títulos a serem adquiridos impedem que se imponha restrições relativas à dispensa de pessoal ou às bonificações de diretores de empresas, pois a empresa não-financeira emissora do título não é a beneficiária da aquisição no mercado secundário, que tem caráter fluido. Em verdade, o grande objetivo desta medida é dar liquidez ao mercado secundário, gerando confiança em seu regular funcionamento, sem beneficiar individualmente qualquer empresa, mas sim todo o sistema de crédito. Daí a impossibilidade de acolher as emendas que se referem a estas limitações, não por seu justo mérito, mas por impossibilidade fática.”
Assim, somente bancos e grandes corporações ligadas a eles serão beneficiadas, como constou do próprio relatório de Anastasia, analisado nas Notas Técnicas ACD 3 https://bit.ly/3ctnyqu e 4 https://bit.ly/2xBYYoM .

xiii https://www.moneytimes.com.br/ativos-privados-que-bc-pode-comprar-caso-pec-seja-aprovada-somam-r-9729-bilhoes/
xiv https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2019/11/epoca-negocios-retomada-da-economia-pode-destravar-carteira-de-r-1-tri-em-creditos-podres.html também disponível em https://auditoriacidada.org.br/grandes-jornais-revelaram-a-existencia-de-r1-tri-em-papeis-podres-nos-bancos/
xv https://www.moneytimes.com.br/ativos-privados-que-bc-pode-comprar-caso-pec-seja-aprovada-somam-r-9729-bilhoes/ também disponível em:
https://auditoriacidada.org.br/presidente-do-banco-central-informa-a-senadores-que-as-operacoes-autorizadas-pela-pec-10-podem-chegar-perto-de-r1-trilhao/
xvi https://www.moneytimes.com.br/ativos-privados-que-bc-pode-comprar-caso-pec-seja-aprovada-somam-r-9729-bilhoes/ também disponível em:
https://auditoriacidada.org.br/presidente-do-banco-central-informa-a-senadores-que-as-operacoes-autorizadas-pela-pec-10-podem-chegar-perto-de-r1-trilhao/
xvii Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
xviii https://www.ivixvaluecreation.com/clipping
xix http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=440384).
xx https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/docs_estatisticasfiscais/Notimp3.xlsx – Tabela 4 – Linha 44
xxi https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries , Série Temporal no 13621
xxii https://auditoriacidada.org.br/conteudo/fonte-da-informacao-de-r-144-trilhao-no-caixa-do-tesouro-nacional-em-dez-2019/
xxiii https://auditoriacidada.org.br/conteudo/relatorio-especifico-de-auditoria-cidada-da-divida-no-1-2013/