O Estado de Exceção e a PEC 55 – Gisella Colares

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Artigo de Gisella Colares, economista, doutora em desenvolvimento sustentável e colaboradora da Auditoria Cidadã da Dívida

Nossas referências encontram-se fora de lugar e neste contexto existe abertura para as chamadas “exceções”. Vivemos um momento de “exceção” no que concerne ao movimento e aspectos formais da efetivação de valores legais e constitucionais. A substância dos valores é ignorada na medida em que os fins justificam os meios.

Apesar de existir para perpetuar a transferência de recursos do Estado e da população menos favorecida para o setor mais privilegiado, o financeiro, a PEC 55 pode ser classificada como uma exceção em um Estado de Exceção.

A PEC 55 é uma exceção mundial. Na história, nenhum país se utilizou de uma medida constitucional para regulamentar a gestão de políticas de Estado dado que, em princípio, a constituição trata dos seus aspectos estruturantes.

A PEC 55 ao impor um teto para os gastos primários do governo, isto é, gastos com a razão de ser do Estado, seu funcionamento e fornecimento de bens e serviços públicos, impõe um diagnóstico, nos dias atuais questionado mundialmente, como verdade e pressuposto. A consequência é o esvaziamento do conteúdo do planejamento Estatal e da necessidade de funcionamento harmônico das instituições democráticas da sociedade, tais como: da atividade de elaboração do plano plurianual; proposição da lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual pelo executivo; bem como, da apreciação pelo legislativo. Isto estabelece um vácuo para o processo eleitoral dos próximos 20 anos em que se pretende ser válida a PEC 55. Trata-se de um Estado de exceção da democracia representativa.

Também é uma característica de exceção da PEC 55, o governo ilegítimo que a propõe e os parlamentares réus, ou em vias de se tornarem réus, que tendem a aprová-la no senado, dado que já foi aprovada na câmara. Existe uma generalização de denúncias contra deputados, senadores e gestores do executivo com envolvimento em uma diversidade de crimes. Existem situações de recebimento de dinheiro com origem obscura por meio de cheque nominal e conta no exterior, pratica de caixa dois, advocacia administrativa, conspiração para sabotar investigações, etc. Além disto, cabe destacar que, dos 27 membros da comissão de constituição e justiça do Senado, 17 respondem inquérito ou ação penal, que dos 27 novos senadores 15 foram patrocinados pelo Banco Bradesco, dos 513 deputados 303 são investigados e que 197 deputados foram financiados pelo Bradesco e Itaú.

Como dissemos a PEC 55 impõe um limite para os gastos com políticas públicas sociais e prestação de serviços públicos, seja do executivo, do judiciário ou do ministério público. A ideia é em 20 anos reduzir esses gastos de 20% para 14% do produto interno bruto. Enquanto isto deixa sem limites as despesas financeiras (leia-se juros, amortizações da dívida e esquemas fraudulentos com empresas estatais não dependentes) que custaram R$ 2,6 bilhões por dia em 2015, o que representa 42,43% de todo o orçamento da União. Enquanto o gasto médio financeiro nos países da OCDE fica em torno de 1,5% do PIB, no Brasil isso representou 8,5 % em 2015. A explicação para esta “exceção” é que o Brasil possui a maior taxa de juros do mundo. Outra face do Estado de “exceção” é que a dívida pública que gera este pagamento exorbitante de juros nunca foi auditada como consta no artigo 26 do ADCT (atos das disposições constitucionais transitórias). Na verdade, reflete o Estado de exceção de que com estes números, os direitos e garantias fundamentais da Constituição ainda não possuem verdadeira eficácia. Os gastos, ou melhor, investimentos em saúde, educação, ciência e tecnologia, etc. não são suficientes para garantir a universalidade da proposta constitucional. Mesmo sendo a 9ª economia mundial, o Brasil possui a pior distribuição de renda do mundo, é o penúltimo no ranking de educação entre 40 países e é o 75º no ranking de respeito aos direitos humanos. A PEC 55 aprofundará esta condição de insuficiência e escassez e estado de “exceção” de nossos princípios constitucionais e pior, da exclusão social.

O mais grave, no entanto, nesse momento é o estado de “exceção” no direito de manifestação e organização social. Criminalização e desqualificação dos movimentos, práticas de tortura, prisões arbitrárias etc. como as observadas no último dia 29 de novembro em frente ao Congresso Nacional na manifestação popular contrária à PEC 55. A acusação da prática de baderna pelos presentes na manifestação busca desqualificar o resgate da substância e do conteúdo negligenciado abertamente pelos representantes do povo, os quais assistiram indiferentes à generalização de um massacre aos manifestantes com a questionável justificativa de que estavam depredando patrimônio público. Todavia podemos dizer que a pior violência é a que depreda os sonhos da sociedade como o não cumprimento da universalização do acesso às necessidades básicas, como a violência cotidiana da fome, da falta de perspectiva, da incerteza sobre o emprego minguado para reduzir salários, como a violência da morte por falta de atendimento médico, como a violência cotidiana de uma guerra civil silenciosa que se passa em “guetos” que faz a população conviver diariamente com o medo, o terror, a falta de respeito e dignidade, etc. enquanto poucos jantam em restaurantes de luxo e se embriagam a ponto de não enxergar a miséria ao seu redor, enquanto bilhões são roubados e sonegados.

Vamos aceitar que tal perfil de pessoas definam nosso futuro de forma tão arbitrária e para defender interesses tão seletivos, principalmente de bancos e investidores privilegiados? Mobilize-se e exija o referendo nacional!