“PEC 186 – Emergencial para quem?”, por Lujan Miranda

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Lujan Mirandai

Mais de 260 mil pessoas mortas! Caos na saúde, fome e desespero. Famílias sem condições de sobreviver e de socorrer familiares que estão morrendo por falta de vagas nos hospitais, oxigênio, medicamentos, profissionais da saúde e vacinas.

Feridas no corpo e na alma que ficarão para sempre na memória!

Prejuízo incalculável para o nosso país e para o seu povo!

E o que o governo tem encaminhado para o Senado e para a Câmara dos Deputados? O que tem sido discutido por deputados, deputadas, senadores e senadoras de forma acelerada, passando por cima até mesmo da Constituição?

Para atender aos interesses dos poderosos, com base no toma lá dá cá, o governo joga com a vida da população. Um jogo criminoso e desumano!

Para garantir alguns meses de irrisório auxílio emergencial em 2020 o governo exigiu várias alterações na Constituição. Relembremos a Emenda Constitucional 106, que autoriza o Banco Central a comprar papéis podres dos bancos sem nenhum limite. O Banco Central fica com os papéis podres e entrega títulos da dívida pública aos bancos! O que a população ganha com isso?

NADA! Ficará com os prejuízos dos bancos e com a obrigação de pagar juros pelos títulos entregues. Isso mesmo! O dinheiro que deveria ser aplicado na saúde e educação vai para os banqueiros. E não é só isso!

Em março de 2020, no começo da pandemia, o Banco Central repassou mais de 1 trilhão para os bancos emprestarem para pequenos e médios empresários a juros baixos. Eles não emprestaram. Milhares faliram e não puderam manter seus negócios. Os bancos ainda lucraram com esse dinheiro, pois o próprio Banco Central, em vez de punir os bancos por não terem emprestado às empresas, ainda os remunerou diariamente nas chamadas “Operações Compromissadas” – a Bolsa-Banqueiroii.

No ano de 2020 o governo pagou de juros e “amortizações” da dívida pública quase 5 vezes mais do que o dinheiro total destinado ao auxílio emergencial a quase 70 milhões de pessoas necessitadas. Para os bancos 39,08% e para o auxílio emergencial apenas 8,29% de tudo que foi gasto pela União, conforme Orçamento Executado em 2020iii.

Para garantir auxílio emergencial não é preciso mexer na Constituição. O governo tem formas simples e rápidas para isso. Por que ele prefere o caminho mais difícil?

Porque a Emergência do governo não é garantir o auxílio emergencial! É amarrar na Constituição, que é mais difícil de se retirar, o que ele faz através de leis: AJUSTES FISCAIS para impedir que se tenha mais hospitais, escolas, estradas, segurança pública. E, assim, sobre mais dinheiro para a dívida pública. Quer entregar de vez o nosso país e por isso aprovou agora, em plena pandemia, a autonomia do Banco Centraliv.

E com o apoio dos presidentes da Câmara e do Senado – que representam os interesses dos poderosos – colocou em votação a PEC 186, a chamada PEC Emergencial, que foi encaminhada com este nome ao Congresso em novembro de 2019, quando nem se falava em pandemia.

O objetivo da PEC 186 é colocar na Constituição medidas permanentes, chamadas de “gatilhos” que disparem todas as vezes em que a relação entre as despesas obrigatórias e as despesas totais do governo superarem 95 por cento, ou quando considerarem que a dívida está em uma trajetória “insustentável”.

Quando os gatilhos dispararem atingirão a população, que com o passar dos anos terá menos escolas, hospitais, saneamento básico, segurança pública, emprego, salário digno, benefícios assistenciais etc.

Os brasileiros e brasileiras pagam, através de impostos, para ter esses serviços e a grande maioria não tem como pagar serviços privados, particulares. A pandemia comprovou a importância do SUS, do Butantan, da Fiocruz, das universidades, dos servidores e servidoras públicas, que têm se desdobrado para atender a população.

A PEC 186 afirma e reafirma que a prioridade é a dívida pública. A submissão aos banqueiros é tanta, que queriam acabar com a obrigatoriedade da destinação do percentual de recursos para a saúde e educação. A reação foi geral e eles retiraram. Essa turma não dá ponto sem nó! Retiraram o que está amarrado de outro modo em outros pontos da PEC. A saúde e a educação correm sérios riscos!

A prioridade do governo é o chamado AJUSTE FISCAL, que passa a fazer parte da Constituição Federal e coloca a dívida pública acima de qualquer direito constitucionalv. Ou seja, faça chuva ou faça sol, por mais urgentes que sejam as penúrias sociais, com ou sem pandemia, com ou sem crise, as necessidades da população não estarão em primeiro lugar.

E isso é comprovado no texto da PEC 186 aprovado no Senado, que estabelece o limite máximo de 44 bilhões de reais para gasto total com o pagamento do auxílio emergencial em 2021. Ou seja, um valor quase 28 vezes menor do que o valor que o Banco Central destinou para os bancos em março de 2020. E assim milhões de pessoas não receberão o auxílio.

Na justificativa da PEC o governo cita a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor desde 2000 e afirma que ela “orientou o equilíbrio fiscal a partir da geração de superávits primários, orientados para a estabilização da dívida pública”, apesar de que a dívida interna federal tenha explodido de 1995 a 2015, passando de R$ 86 bilhões para R$ 4 trilhões mesmo que o país tenha feito R$ 1 trilhão de “superávit primário”. O governo também afirma que a partir de 2011 esse superávit começou a cair, chegando ao primeiro déficit primário em 2014 (0,4 por centro do Produto Interno Bruto-PIB). E que em 2016 foi promulgado o Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95).

Ou seja, fala da economia forçada (superávit primário) que desde 2000 o governo vem fazendo às custas da população, que padece sem os mais elementares direitos. Ignora que a crise foi fabricadavi e fala da PEC da Morte (Teto de Gastos), que congela gastos e investimentos sociais por 20 anos.

Para o governo o aumento de um gasto público deve ser compensado com a redução de outro. Mas, isso e todas as leis, inclusive, a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal não valem para a dívida pública. Para ela não existe nenhum limite!

Emergencial para o governo é destinar o dinheiro da população, de forma permanente e prioritária, para a dívida pública. Uma dívida nunca auditada (analisada) e que quanto mais se paga mais ela cresce.

Emergencial para o governo não é garantir o auxílio emergencial para as pessoas que necessitam. Para tanto, bastava utilizar um pequeno percentual dos 5 trilhõesvii que o governo tem em caixa e que alimenta o SISTEMA DA DÍVIDA – conjunto de ilegalidades, ilegitimidades e privilégios da dívida pública. É HORA DE VIRAR O JOGO!

i Assessora sindical, especialista em Direito Constitucional, coordena o Núcleo Capixaba da Auditoria Cidadã da Dívida – NC-ACD.

iv https://auditoriacidada.org.br/conteudo/plp-19-2019-da-cheque-em-branco-para-banqueiros-por-maria-lucia-fattorelli/