Reflexão sobre alguns pontos do PL 6170/2025, por Paulo Lindesay

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Projeto de Lei 6170/2025 propõe ampla reestruturação do serviço público federal

O Projeto de Lei nº 6170/2025 promove uma das mais amplas reestruturações recentes no âmbito do serviço público federal. O texto altera carreiras existentes, cria cargos e gratificações, transforma funções, redefine lotações e institui programas de desligamento, atingindo diretamente servidores da educação, da cultura, da Receita Federal, da auditoria-fiscal, da saúde, do planejamento e de áreas administrativas transversais.

Apresentado sob o argumento de modernização da gestão pública, valorização profissional e racionalização administrativa, o projeto combina medidas consideradas positivas por algumas categorias com dispositivos que têm gerado críticas de entidades sindicais e especialistas em políticas públicas.

Reconhecimento de saberes na educação

Um dos principais pontos do PL é a criação do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) para o Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (PCCTAE). O mecanismo prevê a valorização remuneratória de servidores ativos com base na experiência profissional e na atuação em ensino, pesquisa, extensão e gestão, independentemente de titulação formal.

No entanto, o benefício será limitado a até 70% dos servidores por instituição, condicionado à disponibilidade orçamentária, e não se aplica a servidores em estágio probatório ou aposentados. Além disso, apenas conhecimentos adquiridos nos últimos cinco anos poderão ser considerados, e a concessão dependerá da avaliação de comissões internas, com posterior homologação pelos colegiados superiores das instituições.

Reajustes e atualizações salariais

O projeto também atualiza tabelas de vencimentos de médicos e médicos-veterinários do PCCTAE, além de carreiras da Receita Federal e da Auditoria-Fiscal do Trabalho. As medidas são vistas como avanços pontuais, uma vez que corrigem distorções históricas e recompõem parcialmente perdas salariais dessas categorias.

Outra mudança relevante é a ampliação do rol de carreiras que fazem jus à indenização prevista na Lei nº 12.855/2013, destinada a servidores que atuam em localidades estratégicas de fronteira. O valor diário da indenização passa a ser fixado em R$ 91,00.

Criação de carreiras transversais

Entre os pontos mais sensíveis do PL está a criação da Carreira de Analista Técnico do Poder Executivo Federal (ATE), de nível superior. A nova carreira será vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e absorverá automaticamente diversos cargos já existentes, como analistas, contadores, bibliotecários e outros técnicos de nível superior.

O governo argumenta que a medida busca padronizar atribuições, facilitar a mobilidade e harmonizar remunerações. Críticos, no entanto, alertam para o risco de enfraquecimento das carreiras específicas dos órgãos de origem, concentração da gestão de pessoal no MGI e redução do poder de negociação sindical.

Ademais, as carreiras transversais não abrangerão as carreiras de nível intermediário, não incluirão servidores (as) não concursados e excluirão todos os aposentados (as). Essa mudança no projeto de lei é extremamente prejudicial para os servidores e as entidades sindicais.

Gratificação temporária e não incorporável

O PL institui ainda a Gratificação Temporária de Execução e Apoio a Atividades Técnicas e Administrativas (GTATA), destinada a servidores regidos pela Lei nº 8.112 que não integram carreiras estruturadas. A gratificação, de caráter transitório, não será incorporada aos proventos de aposentadoria ou pensão.

Para entidades representativas, a GTATA pode gerar divisão entre servidores, ao oferecer um incentivo financeiro imediato sem garantir proteção previdenciária no longo prazo.

Cultura, Ipea e criação de cargos

Na esfera da Cultura, o projeto institui a função de Analista em Atividades Culturais e revisa o Plano Especial de Cargos do setor, por meio da conversão de cargos vagos e da previsão de concursos públicos. No Ipea, o PL converte cargos vagos em posições de Técnico de Planejamento e Pesquisa, com remuneração por subsídio, sem incluir as carreiras do quadro suplementar em extinção na carreira estruturada. Além de não atender a demandas como a inclusão de gratificações no salário base, também modifica regras de progressão que foram negociadas anteriormente.

Além disso, o texto permite a criação de cargos efetivos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Ministério da Educação, com milhares de oportunidades para docentes do magistério superior, bem como para técnicos e analistas em educação, o que viabiliza a realização de novos concursos públicos. Medidas positivas, porém, preocupantes. É possível alocar servidores (as) não concursados em carreiras que estão sendo extintas.

Contratação temporária e desligamento incentivado

Outro ponto de destaque é a ampliação das hipóteses de contratação por tempo determinado, especialmente para profissionais de nível superior na área de atendimento a pessoas com deficiência nas instituições federais de ensino. A medida é criticada por ampliar vínculos precários no serviço público.

O PL institui ainda um Programa de Desligamento Incentivado (PDI) voltado a empregados públicos anistiados, com pagamento de incentivo financeiro limitado a R$ 350 mil, em parcela única, semelhante a programas de demissão voluntária adotados em períodos anteriores.

Impacto e debate em curso

Na exposição de motivos, o governo afirma que as medidas não implicam aumento estrutural de despesas, uma vez que a maior parte das criações de cargos ocorre por meio da transformação e extinção de postos vagos. Ainda assim, o projeto prevê impactos orçamentários diferenciados ao longo dos próximos anos.

Pelo seu alcance e complexidade, o PL nº 6170/2025 tem provocado intenso debate entre governo, servidores e entidades sindicais. Enquanto alguns dispositivos são vistos como avanços pontuais, outros levantam questionamentos sobre centralização administrativa, fragmentação de carreiras e cumprimento de acordos de negociação. A tramitação da proposta no Congresso Nacional deve aprofundar esse debate nas próximas semanas.

O projeto de lei tem caráter urgente, pois deve ser aprovado antes da aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2026. Isso permitirá o pagamento dos valores na segunda parte do acordo salarial em abril de 2026.