Catástrofes Ambientais e Direitos Sociais: urgência e necessidade da Auditoria Integral da Dívida Pública com participação social.

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Catástrofes Ambientais e Direitos Sociais: urgência e necessidade da Auditoria Integral da Dívida Pública com participação social.

Qual o papel da Justiça, fazer valer a Constituição Federal ou ser conivente com a Omissão do Congresso Nacional?

Por Lujan Maria Bacelar de Miranda*

          A Constituição Federal de 1988, em seu art.1º, incisos II e III, respectivamente, estabelece como fundamentos da República Federativa do Brasil: a cidadania e a dignidade da pessoa humana. E no art. 3º estipula que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

No art. 5º, inciso XXXIV, letra “a” estabelece que a todos são assegurados “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.

Em seu art. 21, inciso VIII, determina que compete à Uniãoadministrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada”.

Nos arts. 70, 71, 72 e 74 a Constituição Federal trata de forma detalhada sobre a fiscalização contábil, financeira e orçamentária.

No art. 70 estabelece que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.

No art. 71 determina que “o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União”.

E no art. 74 afirma que “os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno…”

Vale destacar, ainda, em relação aos preceitos constitucionais, que o art. 101, inciso III estabelece que cabe ao Superior Tribunal Federal – STF, “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

A Constituição Federal de 1988 busca assegurar os direitos sociais não só na lei, mas na prática, estabelecendo as fontes de recursos financeiros para garantir sua efetiva aplicação. Essas conquistas são tão importantes que foram definidas em seu artigo 60 como cláusulas pétreas, ou seja, normas constitucionais que não podem ser alteradas nem mesmo por emendas à Constituição. Dentre as cláusulas pétreas estão os direitos e garantias fundamentais, nos quais estão incluídos os direitos sociais.

Porém, como afirma Marcus Abraham, página 19, Curso de Direito Tributário Brasileiro, 3ª edição, “de nada adianta possuirmos um conjunto de normas que disciplinam a atividade tributária se não houver, em contrapartida, um instrumento jurídico para garantir a correta alocação dos recursos, inclusive aqueles de natureza tributária, arrecadados do bolso do cidadão, das empresas e de toda a sociedade”. E prossegue afirmando: “poderíamos dizer que o tributo e o orçamento são faces opostas de uma mesma moeda. De um lado, a face da arrecadação, com uma de suas espécies mais relevantes nos dias de hoje: o tributo; do outro, a face da destinação, com o seu instrumento jurídico, político e econômico materializador: o orçamento público”.

O orçamento público e a vida das pessoas: perguntas que não podem calar!

          Esse importantíssimo instrumento, o orçamento público, tem possibilitado a materialização dos direitos sociais? Tem assegurado a cidadania e a dignidade da pessoa humana? Tem possibilitado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária? Tem garantido o desenvolvimento nacional? Erradicou a pobreza e a marginalização e reduziu as desigualdades sociais e regionais? Promoveu o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação?

Observando-se a realidade do povo brasileiro – escancarada especialmente nos últimos anos, com a pandemia e com as catástrofes ambientais fabricadas, inclusive, no sul e sudeste do país – verifica-se que o Orçamento Público assim como a Dívida Pública têm sido utilizados de tal modo que os resultados obtidos com esses dois importantes instrumentos contrariam os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, impedem o desenvolvimento nacional, não erradicaram a pobreza e a marginalização, não reduziram as desigualdades sociais e regionais e nem promoveram o bem de todas as pessoas. Os dados sobre a realidade da população brasileira são alarmantes.

A Constituição Federal de 1988 com seus princípios e normas não ampara ações e omissões de nenhum dos poderes da República. Portanto, qual a obrigação da Justiça, diante da omissão do Congresso Nacional frente à determinação constitucional de realização da auditoria da dívida pública (art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)?

Como essa omissão afeta os direitos fundamentais e causa prejuízos e danos irreparáveis aos brasileiros e brasileiras? O que justifica tal omissão?

          Trata-se de uma omissão criminosa e injustificável, pois quando se trata de recursos públicos, trata-se de desenvolvimento econômico e social, trata-se de direitos sociais como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados. Trata-se da VIDA das pessoas e do planeta.

A omissão na realização de “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro” tem possibilitado e favorecido o crescimento absurdo da dívida pública brasileira, a despeito do pagamento em dia de montantes cada vez mais elevados. Como tem sido exaustivamente demonstrado pela Auditoria Cidadã da Dívida, com dados oficiais, são inúmeros os instrumentos que privilegiam a dívida pública. Ressalta-se, inclusive a fraude à Constituição Federal (art.166, § 3º, II, b, da Constituição da República) para beneficiar a dívida pública. Confira artigos de Guilherme Rosa Thiago “A fraude do 166”  (https://auditoriacidada.org.br/conteudo/a-fraude-do-166/) e Anatomia de uma fraude à Constituição, de Adriano Benayon e Pedro Antônio Dourado de Rezende (https://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Artigo-Benayon.pdf).

É graças a essa omissão que cerca de 40 a 50 por cento do Orçamento Público Federal Executado anualmente são destinados para pagamento de juros e “amortizações” da dívida pública sem contrapartida em bens e serviços para a população, uma dívida ilegítima, pois quem a paga não recebe nada em troca, a não ser o dever de pagá-la; uma dívida que quanto mais se paga mais se deve.

Os recursos públicos, assim, como a vida, a dignidade, o patrimônio pessoal e familiar constituído com o trabalho, o suor, o sangue, as lágrimas e os sonhos dos brasileiros e brasileiras não podem continuar sendo submetidos a interesses inconfessáveis, com a ajuda e omissão do Congresso Nacional que tem o dever constitucional de fiscalizar e exigir a correta aplicação dos mesmos.

          É dessa forma que a omissão do Congresso Nacional tem causado prejuízos ao Brasil e à sua população. E as consequências são danos irreparáveis para as pessoas, famílias, comunidades, municípios, Estados e para o país. Não é correto e nem justo que se atribua simplesmente às mudanças climáticas o que vem ocorrendo no Brasil. É urgente e necessária a realização da Auditoria da Dívida Pública com participação social.

E para que não restem dúvidas sobre os prejuízos que a OMISSÃO e CONIVÊNCIA do Congresso Nacional provocam, demonstraremos com dados a interrelação entre dívida pública e as catástrofes fabricadas vivenciadas direta ou indiretamente pelo povo brasileiro, como as de Mariana, Brumadinho, Petrópolis, Friburgo, Rio Grande do Sul, dentre inúmeras outras nas diversas regiões do país.

De acordo com o estudo “DANOS E PREJUÍZOS CAUSADOS POR DESASTRES NO BRASIL ENTRE 2013 A 2022”, da Confederação Nacional de Municípios (CNM), “de 01 janeiro de 2013 a 05 abril de 2022, os desastres naturais causaram R$ 341,3 bilhões de prejuízos em todo o Brasil”. E atingiram mais de 347.441.381 de pessoas. Relembra-se que um mesmo município pode decretar emergência por diversas vezes no decorrer dos anos.

          O estudo mostra, também, levantamentos feitos “por meio das execuções orçamentárias de programas federais de drenagem urbana, gestão de riscos, prevenção, preparação, resposta a desastres, reabilitação e reconstrução de áreas danificadas e destruídas”. Observa-se que a redução é drástica, a partir de 2014, chegando ao menor valor em 2022.

Valores Autorizados no Orçamento pelo Governo Federal para Enfrentamento de Desastres Em milhões de reais (R$)

Comparativo dos Valores Autorizados e Pagos pelo Governo Federal para Enfrentamento de Desastres entre 2010 e 2021, em bilhões de reais (R$)

          Como se vê nos gráficos, como se não bastasse a redução violenta dos valores destinados aos “programas federais de drenagem urbana, gestão de riscos, prevenção, preparação, resposta a desastres, reabilitação e reconstrução de áreas danificadas e destruídas”, o estudo da CNM mostra que a execução orçamentária desses programas de GESTÃO DE RISCOS E PREVENÇÃO é baixa, ou seja, além dos valores serem extremamente reduzidos, insuficientes, não são executados (pagos).

          O percentual médio de execução do orçamento foi de 47% entre 2010 e 2021. Isto é, a cada 100 reais que o governo federal autorizou para ser destinado à prevenção ou resposta a desastre, apenas R$ 47 foram efetivamente gastos.

          Ressalta-se que de acordo com o gráfico comparativo, de 2011 a 2015, os valores pagos foram menos da metade dos valores autorizados, coincidindo com o período em que se sucederam diversos desastres, como as chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. Nesse período, em 2015, ocorreu o rompimento da barragem em Mariana, com graves danos ao meio ambiente, em virtude da contaminação de rios e do solo.

Como afirma a Confederação Nacional de Municípios (CNM) em seu estudo: “Os diversos desastres ocorridos, a despeito de sua natureza, como chuvas torrenciais e consequentes deslizamentos de terra e inundações, escondem muitas vezes a ausência de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes e deixam claro a precariedade da articulação de políticas de prevenção de desastres pelos entes federados”.

          Analisando-se os gráficos elaborados pela Auditoria Cidadã da Dívida-ACD com o Orçamento Geral da União Executado, encontramos as razões dessas tragédias fabricadas e vemos para onde vai o dinheiro que deveria ser usado em benefício da população, assim como o dinheiro que é devolvido por não ser utilizado.

Orçamento Federal Executado (Pago) de 2010 a 2022

Veja o gráfico com os percentuais destinados para a Dívida Pública (especialmente banqueiros), Estados e municípios, Gestão Ambiental, Habitação e Saneamento.

De cada 100 reais de tudo que é arrecadado e gasto, cerca da metade vai para a dívida pública, ou seja, para os banqueiros e grandes investidores.


INFORMA-SE número 13
(https://institutogenildobatista.org.br/wp-content/uploads/2023/02/NFORMA-SE-13.pdf).

Retornando à pergunta inicial, “Qual o papel da Justiça, fazer valer a Constituição Federal ou ser conivente com a Omissão do Congresso Nacional?”

          Nada justifica a omissão criminosa do Congresso Nacional.

É inadmissível que diante dessa omissão e de tanta ilegalidade, abuso, desmando, desrespeito, prejuízo, constrangimento, sofrimento, dor e morte, a Justiça brasileira em nome da separação dos poderes ou da alegada falta de comprovação dos prejuízos causados pela referida omissão, feche os olhos e lave as mãos.

A dura e triste realidade em que vive milhões de brasileiros e brasileiras, assim como os dados dos orçamentos federais executados e das “execuções orçamentárias de programas federais de drenagem urbana, gestão de riscos, prevenção, preparação, resposta a desastres, reabilitação e reconstrução de áreas danificadas e destruídas” são uma comprovação dos prejuízos provocados pela omissão do Congresso Nacional.

Uma auditoria integral da dívida pública possibilitará a correta aplicação dos recursos e fortalecerá a luta da população por seus direitos.

*Coordenadora do Núcleo Capixaba da Auditoria Cidadã da Dívida e diretora do IGB (Instituto Genildo Batista)