Auditoria da Dívida: Atualidade de uma tática para a defesa do fundo público e o enfrentamento à dependência

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AUDITORIA DA DÍVIDA: ATUALIDADE DE UMA TÁTICA

PARA A DEFESA DO FUNDO PÚBLICO E O ENFRENTAMENTO À DEPENDÊNCIA

Mathias Luce Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e

membro do Núcleo RJ da ACD1

INTRODUÇÃO

Em meio a uma conjuntura histórica de ofensiva do capital, poucas iniciativas mantiveram senso crítico e ímpeto militante como a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), movimento que completou, há pouco, vinte anos de existência. Nos idos de 2000, um plebiscito popular lançava a pedra fundamental da campanha que resultaria no movimento Auditoria Cidadã. Desde então, a ACD tornou-se referência no debate econômico no Brasil, com estudos e análises que qualificam as lutas sociais, com destaque para a defesa intransigente do fundo público e sua destinação para atender as necessidades do povo brasileiro e não dos banqueiros e demais proprietários do capital-dinheiro, maiores beneficiários do Sistema da Dívida2.

Em um país que orbita entre as dez maiores economias em mensuração quantitativa da riqueza em termos de PIB, mas nos assombra no 87º lugar no IDH da ONU, o desvelamento do que acontece com a riqueza socialmente produzida – e com o montante que circula por intermédio do Estado – assume importância especial. Afinal, o Brasil é uma formação econômico-social dependente, marcada por transferências de valor para as economias dominantes, sob distintas modalidades, sendo o serviço da dívida, em particular, importante expressão dessa engrenagem do modo de produção capitalista e suas relações de desenvolvimento desigual (LUCE, 2018).

No entanto, questionamentos de determinados setores têm sido direcionados contra a ACD, seja por acadêmicos liberais, seja no interior do próprio campo denominado como progressista. Neste artigo, procuramos fazer um balanço desse debate. Além desta Introdução, o texto encontra-se dividido em três partes. Na primeira, expomos os principais argumentos e premissas dos que fizeram tais críticas. Na segunda, abordamos dois temas

  1. O autor agradece os comentários e sugestões de Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila.

  2. Sistema da Dívida: expressão criada por Maria Lucia Fattorelli em 2008, a partir das diversas experiências à frente da Auditoria Cidadã da Dívida, investigando dívida pública do Brasil e de outros países, o que permitiu constatar a geração de dívida pública sem contrapartida alguma, ou seja, em vez de servir para aportar recursos ao Estado, a dívida tem funcionado como um instrumento que promove uma contínua e crescente subtração de recursos públicos, que são direcionados principalmente ao setor financeiro. Citação constante da página 128 do livro “Feminismo e Dívida Pública”, disponível em http://www.adufepe.org.br/livro-aborda-divida-publica-e- feminismo/ .

ausentes – tanto nos autores liberais, quanto em demais críticos à ACD – e que são fundamentais para pensar a dívida na formação econômico-social brasileira: a reprodução do capital social total e a dependência financeira. Finalmente, na Conclusão traçamos alguns desafios para enfrentar o ultraliberalismo que se assenhoreou do Estado brasileiro sob o governo Bolsonaro e a gestão desastrosa do ministro da economia Paulo Guedes e pensar alternativas duradouras em meio à crise capitalista que se arrasta de maneira persistente, de modo a qualificar o debate a respeito da intervenção sobre a realidade, para poder transformá-la.

CRÍTICAS À AUDITORIA DA DÍVIDA

Desde sua origem, o movimento ACD empunhou com coragem a bandeira da luta contra a submissão ao mercado financeiro, às políticas econômicas neoliberais e ao elemento nevrálgico que é o sistema da dívida, na contramão das teorias monetaristas e seus ideólogos neoliberais, mas também na contramão do novo discurso hegemônico que se afirmou durante a década de 2000. Segundo este, a dívida pública – de tema candente que fora nas décadas de 1980 e 90 – teria cessado de ser um problema central. O argumento deste novo discurso girava em torno ao fato de que a dívida havia sido ou quitada ou reconvertida em dívida interna, sobre a qual o Estado brasileiro teria as rédeas e domínio. Essa análise ignorava os danos da quitação antecipada ao FMI e as implicações da troca da dívida externa por interna, analisadas pela ACD em vários estudos, por exemplo em https://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2012/09/Contradição-Inexplicável- Maria-Lucia-Fattorelli.pdf e https://auditoriacidada.org.br/wp- content/uploads/2021/07/Carnaval-da-Divida-Externa.pdf. Mas, voltando ao que dizíamos, tal visão hegemônica durante a década de 2000 vaticinou que o Brasil estaria, naquele primeiro decênio do novo século, em franco processo para deixar a condição de país periférico ou dependente.

Essa aparência mistificada tornou-se lugar-comum no discurso dos governos neodesenvolvimentistas. E foi difundida por setores da intelectualidade seduzidos pela euforia da alta conjuntural das matérias primas. Sem jamais abrir mão da perspectiva contrária ao poder da mundialização financeira, os economistas e auditores da ACD prosseguiram tenazmente realizando seu trabalho, não se deixando levar pelo credo de que o Brasil estava infenso aos históricos problemas de balanço de pagamentos e de volatilidade que caracterizam os países da região, com graves custos sociais, ainda mais em um cenário de economia altamente liberalizada.

À medida que os efeitos da crise mundial de 2007 começaram a se fazer sentir no Brasil, para onde chegaram com certo hiato temporal, o debate sobre os diferentes caminhos da política econômica – incluindo a questão da dívida, do tripé macroeconômico e da política fiscal – foi adquirindo maior evidência. Ao se evidenciarem esses elementos, e principalmente após o Veto de Dilma Rousseff à realização de auditoria da dívida pública com participação da sociedade, em 20163, as posições da ACD passaram a se tornar alvo de correntes de pensamento que defendiam, de um modo ou outro, a continuidade de diretrizes na gestão da economia do país, mesmo após forte ajuste fiscal feito em 2015, sob o comando do Ministro da Fazenda Joaquim Levy, recém saído do cargo de Diretor Superintendente do Banco Bradesco. Ao mesmo tempo, pronunciaram-se divergências também no interior do campo que se opõe à aceitação das regras do jogo da mundialização do capital.

Na seção seguinte, tratamos dessas diferentes críticas ao trabalho da ACD. A seção segue dois movimentos: no primeiro momento, analisamos o sentido das críticas previamente a 2016. No segundo momento, nos voltamos àquelas elaboradas a partir da inflexão da conjuntura produzida no fatídico ano de 2016. Como se poderá ver, a divisão cronológica assume importância para os objetivos do artigo.

Críticas anteriores a 2016

Em janeiro de 2012, um artigo assinado por Bruno Cava, publicado no portal OutrasPalavras.net, pôs em dúvida o diagnóstico da ACD. Tratando do tema Dívida pública: verdades e mitos, o autor afirmou serem tanto exageradas quanto errôneas as conclusões dos estudos da ACD. Pesquisador vinculado à Universidade Nômade, criada por Antonio Negri e Michael Hardt e o grupo de intelectuais adeptos das teses de Império – livro que veio à tona em 2000 propondo o ocaso das relações imperialistas, em que a característica da globalização seria a desterritorialização do poder – Cava questionou o sentido da campanha levada a cabo pela ACD. Para ele, o diagnóstico a respeito do peso da dívida pública seria um mito fabricado pela ACD a partir de premissas equivocadas: “dizer que ela [a dívida] consome metade do Orçamento é grande imprecisão”. Na visão do autor:

Salta aos olhos a fatia da dívida, com quase metade do total de 2,2 trilhões de reais. Desse bolão, a fatia da dívida dá um trilhão de reais […] Com base nesse gráfico, o esquerdismo saiu espalhando que Dilma governa para os banqueiros e que nunca antes na história desse país eles

  1. Mensagem de Veto de 13/1/2016 ao Projeto de Lei nº 6, de 2015-CN , que “Institui o Plano Plurianual da União para o período de 2016-2019”, que vetou a “Iniciativa 07BQ – Realização de auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2016/Msg/VEP-16.htm

lucraram tanto à custa do trabalhador […] É que nessa fábula de um trilhão de reais, não foram incluídos somente os juros da dívida, mas também as amortizações e o refinanciamento. Refinanciamento ou rolagem é a novação da dívida: uma operação contábil que substitui créditos antigos por novos. O governo adia o pagamento renovando o empréstimo, o que ocorre por meio do lançamento de títulos novos.

Veja-se que já naqueles anos se passou a questionar a metodologia da ACD, contra a inclusão da rolagem no cômputo das despesas financeiras do orçamento geral da União. De acordo com estimativas de Cava, o percentual do orçamento brasileiro destinado para a dívida não passaria de 4,6% em seus próprios cálculos ou de 7%, em “estimativas de mão mais pesada que se encontram pelas redes”. Assim, um primeiro erro seria considerar que 40% ou mais do orçamento vai para o sistema da dívida. Cava ignora que os dados que a ACD insere no gráfico que divulga anualmente são os dados oficiais do orçamento executado em cada ano, divulgados pelo próprio governo, como pode ser visto nos últimos artigos referentes aos gráficos de 2020 e 2021 (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/gastos-com-a-divida-publica-cresceram-33-em-2020/ e https://auditoriacidada.org.br/conteudo/gasto-com-divida-publica-sem-contrapartida- quase-dobrou-de-2019-a-2021/ ). Conforme mostram estes artigos da ACD, grande parte do que o governo chama de “refinanciamento” ou “rolagem” é, na verdade, pagamento de juros, além de que grande parte das “amortizações” é paga com recursos que nada têm a ver com a emissão de novos títulos da dívida. Além do mais, mesmo a chamada “rolagem” (pagamento do principal da dívida com recursos obtidos por meio de novas dívidas) deve sim ser considerada, dado que representam recursos de novos empréstimos que poderiam estar sendo destinados para investimentos sociais, como várias economias centrais fazem.

Em segundo lugar, segundo Cava, o tema da dívida não teria importância diferenciada no Brasil, pois – conforme argumenta – ela assume proporções muito maiores em países como EUA ou Japão, afirmação que ele faz sem citar o fato de que nestes países as taxas de juros são muito mais baixas, ou até mesmo negativas, enquanto no Brasil a dívida tem se multiplicado devido às altíssimas taxas de juros. Em terceiro lugar, na visão de Cava, a leitura da realidade por parte da ACD seria marcada por “argumentos acometidos de esquerdismo”. Finalmente, conforme se pode depreender da análise do autor, a ACD seguiria uma suposta leitura catastrofista, pois “a crise é lugar de disputa e pode ser torcida para qualquer direção. O capital não é uma entidade de sete cabeças sentada num trono de marfim”.

Sob premissas distintas às de Cava, em especial a acusação de “esquerdismo” e a démarche que vê a crise como “lugar de disputa que pode ser torcida para qualquer direção”, outra crítica previamente ao ano de 2016 foi de Sofia Manzano. Economista e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, publicou em 2015 artigo

intitulado Os perigos de uma tática: a auditoria cidadã da dívida pública. A autora inicia seu texto comentando que o artigo tem por objetivo problematizar a auditoria da dívida pública como tática política, depois que sua organização, o PCB, aprovara em congresso do partido a defesa de uma auditoria nacional com controle popular. Para Manzano, tal proposta programática carregaria o risco de confundir a classe trabalhadora, pois tenderia a fazer parecer que o endividamento do Estado brasileiro consiste de obrigações financeiras que atendem ao interesse público, dado o termo “dívida pública“. Manzano resumiu seus argumentos em três aspectos. A auditoria da dívida pública consistiria de uma tática perigosa, “porque, mesmo que se verifique que todos os títulos públicos que compõem a dívida de um país não tenham sido vendidos para arcar com déficits primários […], eles são válidos diante das regras vigentes […] e, diante do aparato jurídico existente, não há o que se fazer a respeito disso”. Na sequência, diz a autora que “a tática política de se lutar pela auditoria da dívida ajuda a confundir ainda mais os trabalhadores em considerar a dívida pública como se fosse a sua própria dívida”. E, por fim, ainda conforme Manzano, “o Estado não é neutro e serve à burguesia, portanto, não é tarefa da classe trabalhadora gerir o Estado capitalista”, de maneira que “qualquer que seja o resultado dessa auditoria, ele só serve para legitimar [SIC] ainda mais esse perverso mecanismo de transferência de riqueza e confunde a classe trabalhadora para a sua verdadeira luta”. Com base nesse diagnóstico, Manzano conclama que diante da dívida caberia à classe trabalhadora tão somente “exigir o não pagamento, o calote”. Dessa forma, Manzano não leva em conta a politização que o movimento da auditoria da dívida tem propiciado à classe trabalhadora, na medida em que desmascara e populariza o conhecimento sobre os nefastos mecanismos usados pelo Sistema da Dívida para absorver recursos públicos (ver: https://auditoriacidada.org.br/nucleo/o-banco-bis-e-o-sistema-da-divida-por-lujan-miranda/ ). Note-se que enquanto Cava lançou a pecha de “esquerdismo” sobre a ACD, Manzano referiu-se, naquele então, ao movimento da ACD e seus apoiadores como padecendo de reformismo – ainda que sem utilizar diretamente o termo. Assim, com sinais trocados, tanto um quanto outra desaconselharam os movimentos sociais e organizações políticas a terem a bandeira da auditoria como parte de um programa para transformação do país.

Críticas a partir de 2016

As críticas à ACD, conforme enunciamos mais acima, foram adquirindo maior profusão a partir do ano de 2016. Esse foi um ano fatídico na história recente do país. Além de o Banco Central “suicidar” a economia brasileira, como abordado por Fattorelli em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/o-banco-central-esta-suicidando-o-brasil/ , foi o ano

do golpe jurídico-parlamentar que afastou a presidenta da República sob preceitos casuísticos das “pedaladas fiscais”. E, também, o ano em que foi imposta, como parte da mesma inflexão do Estado brasileiro, a âncora fiscal que congelou o orçamento da saúde, educação e outras áreas vitais por vinte anos, com a Emenda Constitucional 95. Lembremos que em outubro de 2015 a Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, partido de Michel Temer, lançara concomitantemente à abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff o documento Ponte para o Futuro, com medidas econômicas e institucionais de orientação ultraliberal que viriam a ser o programa do governo de facto quando Temer recebeu a cadeira presidencial a partir do afastamento de Dilma na esteira do golpe de 2016. O principal ponto desse programa era a EC-95/2016.

A ACD atuou firmemente nessa época relacionando a EC 95/2016 com o pacote de medidas nocivas imposto à sociedade (ver, por exemplo, o artigo https://auditoriacidada.org.br/conteudo/escandalos-exigem-atencao-da-sociedade-

brasileira/ ), chegando a protocolar denúncia formal contra a PEC 55/2016 junto ao Senado (ver: https://auditoriacidada.org.br/denuncia-contra-pec-55/ ).

Naquele mesmo ano, antes do fim do violento processo de impeachment, acontecera o veto da presidenta Dilma Rousseff à realização de uma auditoria oficial da dívida pública com participação da sociedade. E membros de seu ministério recomendaram a ampliação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30%, até 2023, com a Emenda Constitucional 93 que tramitava no Congresso.

Uma semana após o veto de Dilma, o qual constou da edição de 14 de janeiro do Diário Oficial, a economista Laura Carvalho, professora da Faculdade da Economia e Administração da Universidade de São Paulo publicou, no dia 21 do mesmo mês, no jornal Folha de São Paulo, o artigo A revolução dos auditores. Com título carregado de baixa ironia, em uma tentativa de deslegitimar o movimento da ACD, o texto não procurou ocultar o objetivo simultâneo de justificar o veto que a presidenta apresentara contra o projeto do deputado Edmilson Rodrigues (PSOL) que propunha a realização de uma auditoria da dívida pública a ser implementada através do Ministério da Fazenda.4

  1. O texto recebeu réplica de Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da ACD. A Folha veiculou tão somente uma pequena nota com o extrato da resposta de Fattorelli. Mas a íntegra rebatendo as afirmações de Carvalho foi publicada no portal www.auditoria-cidada.org. Nomeando o texto Somos todos auditores, Fatorrelli expõe o despropósito que é atribuir aos intelectuais da ACD a pretensão de se arvorarem como dirigentes das mudanças estruturais do Brasil, quando o objetivo da ACD, desde a campanha do plebiscito popular de 2000 que levou à criação da entidade, tem sido contribuir com a elaboração programática para que os sujeitos das lutas disponham de instrumentos para a leitura crítica da realidade, para poder transformá-la. No calor da polêmica, Carvalho atacou Fattorelli pelo fato de que a auditora teria aventado em um vídeo que a economista então professora da USP estaria sendo funcional a interesses do mercado financeiro. Os anos depois vieram a confirmá-lo, com o aceite de Laura Carvalho em 2022 a trabalhar na Fundação Open Society, do megaespeculador George Soros.

Elencando razões para a não realização de uma auditoria oficial no país, Carvalho defendeu os seguintes argumentos: (1) o caso brasileiro não seria marcado pelo acúmulo de ilegalidades a ensejar uma auditoria da dívida. Isso se aplicaria aos contratos dos anos da ditadura militar, mas não aos contratos celebrados com a emissão de títulos da dívida interna nas décadas de 1990, 2000 e alhures. Nesse tópico, Laura Carvalho mostra a ignorância em relação à grave operação denominada Plano Brady realizada na década de 90, à suspeita de prescrição de grande parte da dívida externa, e à perversa utilização de títulos Brady no processo de privatizações, citadas em artigo referente a outro ataque sofrido pela ACD (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/auditoria-da-divida-e-urgente- e-necessaria-por-maria-lucia-fattorelli/); (2) um segundo argumento apresentado por Carvalho é que o elemento da cobrança de juros sobre juros não seria um aspecto a investigar e sim um preceito que é parte das regras do jogo, cabendo questionar tão somente o nível das taxas de juros praticadas, o que não demandaria uma auditoria – argumento este que ignora as graves ilegitimidades existentes no processo de definição das taxas de juros no Brasil5. Nesse tópico, Carvalho também mostra desconhecimento de que juros estão sendo transformados em capital não somente em decorrência de juros sobre juros, mas também devido à irregularidade da contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização, o que foi descoberto e denunciado pela ACD durante a assessoria à CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados, mediante a utilização de técnicas de auditoria, conforme relatório elaborado a pedido do Ministério Público, disponível em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/relatorio-especifico-de-auditoria-cidada-da-divida- no-1-2013/ ; (3) ainda segundo Carvalho, mesmo que fossem comprovadas ilegalidades, “cancelar parte da dívida que seria oriunda de ilegalidades não é a panaceia que aparenta ser”; (4) e “diferentemente do Equador, cuja dívida foi contraída por contratos onerosos de empréstimo junto a bancos internacionais, o governo há muito tempo vende seus títulos em moeda nacional”; (5) também segundo a autora, “o estoque atual da dívida brasileira não é alto nem do ponto de vista histórico, nem para padrões internacionais”; (6) e “a demonização da dívida pública que permeia esses argumentos acaba somando forças à defesa ideológica da austeridade”.

Os argumentos que enumeramos como 3 e 5 já haviam aparecido no debate prévio, conforme pontuamos na seção anterior. A novidade do texto de Carvalho foi tentar deslegitimar a bandeira da ACD no terreno de debate da interpretação do que consiste a dívida e seus mecanismos. E, ademais, acusou a ACD de fazer coro com os mesmos que propugnavam a austeridade fiscal, sendo que a atuação da ACD tem justamente feito o

  1. Ver artigo “TAXAS DE JUROS: A GRANDE ILEGITIMIDADE DA DÍVIDA “INTERNA”, de Rodrigo Ávila, de 22 de

maio de 2018, disponível em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/taxas-de-juros-a-grande-ilegitimidade-da- divida-interna/

contrário: denunciado a austeridade fiscal que visa a fazer sobrar mais dinheiro para o Sistema da Dívida (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/para-que-tem-servido-a- divida-publica-no-brasil-por-maria-lucia-fattorelli/

No dia seguinte à publicação do artigo de Laura Carvalho na Folha, o economista José Luis Fevereiro6, fez circular na Internet texto de opinião com o mote Dívida pública: mitos e realidade. Fevereiro reproduziu o tom de ironia encontrado no artigo de Carvalho na véspera, em que a economista chamara de “revolução dos auditores” o movimento que há uma década e meia vinha se debruçando sobre questão candente para a sociedade brasileira.7

Em sua nota, Fevereiro fez o seguinte o percurso: (1) afirmou que o gráfico da ACD “mais confunde que explica”; (2) insinuou que a ACD “compara despropositadamente gastos com educação, saúde e investimentos vinculados ao orçamento fiscal com os gastos de amortização e juros da dívida”; (3) vaticinou que “para os leigos em economia o tal gráfico passa a noção absurdamente errada de que, se não tivesse dívida, teríamos mais 45% do orçamento para gastar”; (4) vociferou que a ACD e seus defensores acreditam em “soluções mitológicas”; (5) acusou a ACD de não ser mais que “propaganda de má qualidade”; e, finalmente, (6) propôs que “trata-se aqui de fazer da dívida um aliado do desenvolvimento”. Para Fevereiro, no cenário dos anos 2014, 2015, 2016, “com déficit primário […], a decorrência de uma moratória ou suspensão do pagamento da dívida seria a União ter que apertar ainda mais o orçamento por não ter como financiar o déficit”. Além de tentativas de desqualificação sem fundamento técnico algum, Fevereiro mostrou desconhecimento do trabalho executado pela ACD, que inclusive questionou o chamado “déficit” de 2015 ao analisar os dados oficiais daquele ano, que demonstraram que o déficit é apurado de forma artificial, na medida em que ignora diversas receitas, como abordado em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/sobraram-r-480-bilhoes-no-caixa-do-governo-em- 2015/ e https://auditoriacidada.org.br/conteudo/a-mentira-do-deficit-orcamentario-por- rodrigo-avila/ .

Assim como Laura Carvalho, Fevereiro procurou legitimar o veto de Dilma e deslegitimar a revisão que a ACD defende das engrenagens do endividamento com base em um dispositivo constitucional. Os textos de Carvalho e Fevereiro terminaram servindo de matriz para as críticas que surgiram posteriormente àquele ano de 2016.8

6 Fevereiro é conhecido por defender internamente ao PSOL posições contrárias à auditoria da dívida, embora o tema conste dentre as propostas do programa de fundação do partido e seja defendida por diferentes correntes. 7 Em 2021, a ACD completou 20 anos, promovendo um seminário nacional, em que participamos de mesa sobre a questão do Banco Central. Ver Seminário Nacional 2021 – Painel 4 – Prof. Mathias Luce. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=A2azrhcOAG8&t=857s.

  1. Mais tarde, Fevereiro e Carvalho defenderam a exclusão da proposta da auditoria da dívida do programa de governo do então candidato Guilherme Boulos, na candidatura ao PSOL à presidência da República em 2018, para protesto de outras forças internas ao partido. E Carvalho, em 2022, viria a assumir a chefia de pesquisa da

Ao início de 2018, Juliane Furno escreveu uma nota no jornal Brasil de Fato, Por que a dívida pública é boa e importante para um Estado? Furno descreveu em linguagem didática algumas das diferentes funções da dívida como forma de financiamento dos Estados nacionais. Mas não discutiu, nem considerou o elemento sistema da dívida, estudado por Karl Marx e questão trabalhada sistematicamente pela equipe da ACD e por economistas como Éric Toussaint, do Comitê pela Abolição da Dívida Ilegítima (CADTM), e o jurista Prof. Ramiro Chimuris, presidente da Rede Internacional de Cátedras sobre a Dívida Pública (RICDP) (ver: https://ricdp.org) .

Assim, a autora marcou posição pela visão de que “a dívida pública é boa e importante para um Estado”, sem desglosar as modalidades ou formas de dívida e processos de endividamento. O que é no mínimo uma posição apressada, ainda mais em alguém que escreve a partir da realidade de um país como Brasil, onde a dívida pública tem retirado, e não aportado recursos para as áreas sociais. Sem dar nomes, a autora fez uma crítica velada à ACD ao apresentar em tom de jogral: “mas Juliane, e aquela afirmação de que a dívida pública consome quase metade do orçamento do governo, limitando as possibilidades de gasto em saúde e educação?” E respondeu à mesma pergunta retórica: “aí é que está a confusão. O problema do Brasil são os juros da dívida. Os 45% do orçamento que o governo paga anualmente são de juros e amortizações da dívida pública. Ou seja, o que torna a dívida pública um problema não é o seu tamanho, e sim a taxa de juros que pagamos anualmente sobre os detentores da dívida”, ignorando que os juros incidem sobre o estoque total da dívida, portanto, é evidente que o seu “tamanho” (SIC) importa.

Note-se uma semelhança com outros críticos da ACD. Furno diz que o problema em si são os juros. Nesse sentido, concorda com Fevereiro e Carvalho, para quem o real problema seria a taxa de juros praticada. Por outro lado, não negligencia o peso da dívida no orçamento, o que é subestimado por esses outros autores.

Contudo, ela apresenta a afirmação categórica: “quem não gosta de dívida pública e insiste em elaborar projetos que limitem o seu teto são a direita e os economistas mais liberais, que sugerem a ideia de que o orçamento do Estado é análogo ao das famílias, no qual ninguém pode gastar mais do que arrecada”. Com tal sentença, a autora provavelmente pensou nos pressupostos utilizados para justificar a EC-95 e o projeto apresentado pelo Senador José Serra (PSDB-SP), este último prevendo um limite legal da dívida pública em relação ao PIB. Ao mesmo tempo, sem explicitar ao certo a que campo se referia, Furno deixou entreaberta uma porta para lançar a mesma pecha sobre a ACD, de maneira a rechaçar a bandeira da auditoria da dívida. Entretanto, o critério que a ACD considera, contra a drenagem dos

Open Society Foundations, fundação filantrópica criada pelo megaespeculador George Soros. Em matéria de política, cada um é responsável por suas escolhas.

recursos públicos para a dívida, não é quanto às dívidas que financiem eventualmente necessidades sociais e, sim, para o sistema da dívida, uma relação de poder via mercado mundial que se retroalimenta, e que deveria ser auditado com a participação da sociedade, para se saber qual o verdadeiro montante desta dívida ilegítima, ou o quanto o país deveria receber de volta. A ACD não defende um limite do estoque da dívida, mas uma auditoria que anule as dívidas ilegítimas. Mas, convicta da possibilidade de se ampliar irrestritamente a emissão de dívida como mecanismo de financiamento, premissa que toma da MMT 9, Furno vaticina: “esquecem-se, porém, que o Estado brasileiro – ao se endividar – faz isso na nossa própria moeda e com uma taxa de juros que ele mesmo define”. Furno mostra completo desconhecimento da relação entre o Sistema da Dívida e a política monetária do Banco Central, que aceita o depósito de toda a sobra de caixa dos bancos e a remunera diariamente, como abordado em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/deposito-voluntario- remunerado-e-bolsa-banqueiro-sem-limite-e-sem-causa/ . Assim, caso o BC concordasse em emitir moeda para quitar a dívida interna (atualmente em mais de R$7,5 trilhões), o BC passaria a enxugar esse montante e remunerar os bancos da mesma forma, seja por meio das Operações Compromissadas ou via Depósitos Voluntários Remunerados, gerando novamente a mesma dívida de forma disfarçada, porém, ainda mais ilegítima devido à ausência de contrapartida em investimentos de interesse social.

Ora, Furno não trabalha com o conceito de sistema da dívida. E parece sugerir que toda crítica ao endividamento seria em qualquer de suas expressões – inclusive a ACD – uma bandeira estranha à esquerda, com posições que terminariam se confundindo com a justificativa dos liberais a respeito do limite ao endividamento do Estado. Aliás, argumento também proposto por Carvalho, conforme visto acima.

Em 2020, já durante o governo Bolsonaro e no ano em que irrompeu a pandemia da COVID- 19, Furno voltou a apresentar essas ideias, em texto escrito conjuntamente com Iriana Cadó, comentarista do Programa Prosa Econômica, da TV 247. O artigo em parceria, divulgado no LeMondeDiplomatique Brasil, edição de 18 de maio 2020, teve por título A dívida pública: de vilã a aliada do Estado. O escrito abre com o olho jornalístico: “o endividamento público é o mal da nossa economia ao consumir em torno de 45% do orçamento e obrigar o Estado a “apertar” os gastos em outras áreas para fazer frente aos compromissos financeiros?”

As autoras sugerem que atribuir tal peso à dívida pública seria “uma ingenuidade”. E defendem que, diante da pandemia, o mecanismo “emissão de títulos públicos para financiamento do Estado” não deve de partida ser condenável. Nesse aspecto, Furno mostra desconhecimento da jogada que tem sido feita pelo governo ao emitir dívida para cobrir

  1. Sigla em inglês de Moderna Teoria Monetária.

gastos sociais, ao mesmo tempo em que, em muito maior quantidade, desvia recursos de outras fontes distintas que poderiam financiar gastos sociais, para destinar ao pagamento de dívida, o que somente é verificado mediante procedimentos de auditoria, como abordado em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/a-mentira-do-deficit-orcamentario-por-rodrigo-avila/ . Sublinhando que o orçamento é determinado “por duas unidades contábeis: a receita e a despesa”, sustentam que é preciso “a efetivação de um sistema tributário que incida de forma mais progressiva e igualitária sobre as rendas”. Nesse ponto temos acordo, sobre a necessidade de uma reforma tributária que assegure os princípios constitucionais da progressividade e da capacidade contributiva. Mas, ao fim e ao cabo, as autoras defendem a geração de dívida, evocando argumentos inspirados no keynesianismo.

Também em 2020 e no contexto pandêmico, Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Unicamp, lançou-se ao debate, através do site do Instituto para a Reforma da Relação Estado Empresa.10 O título de seu texto O equívoco bem-intencionado da Auditoria Cidadã da Dívida, reflete uma polidez que não se encontra no interior do artigo. Mello diz que a ACD promove a “criminalização da dívida”. Ora, não é a ACD quem tipifica o crime. É o sistema financeiro que o comete diariamente e com a conivência das altas cortes, que remeteram o assunto dos juros abusivos para legislação infraconstitucional, a qual por sua vez não é regulada.

A motivação de Mello em escrever o artigo, segundo relatou ele próprio, foi defender as operações compromissadas como instrumento de intervenção do Estado na economia. Para o professor da Unicamp, quem questiona esse instrumento estaria abrindo mão da intervenção estatal. Ora, existem formas e formas de intervenção. Se Mello confia nos grandes bancos privados, essa é uma escolha sua. Mas não acuse os críticos do sistema da dívida, como a ACD, de advogarem por uma não-intervenção do Estado na economia, porque o que se trata é justamente de promover outro modelo de política econômica, alterando os fundamentos do tripé macroeconômico (juros altos, câmbio liberalizado e supéravits primários) – o que Mello não ousa criticar em sua totalidade. A ACD rebateu os argumentos inseridos no artigo de Mello e suas críticas infundadas, juntando, por exemplo, publicação da grande mídia sobre o volume das operações que Mello defende, o overnight dos bancos, que alcançou R$1,6 trilhões em agosto/2020, em plena pandemia, entre outras informações relevantes disponíveis (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/auditoria- cidada-divida-e-atacada-por-defensores-de-bolsa-banqueiro/ ). Nessa crítica a Mello, a ACD sustentou:

  1. O IREE tem como economista-chefe Juliane Furno. Guilherme Mello, por sua vez, é professor de Economia da UNICAMP e próximo do Partido dos Trabalhadores, participando da equipe de programa de governo da chapa Lula-Alckmin.

O autor tenta desqualificar a ACD, certamente acuado por estar defendendo o nocivo PL 3.877/2020 (do senador Rogério Carvalho PT/SE) que visa criar os “Depósitos Voluntários Remunerados”, correspondentes à institucionalização do “overnight” sem limite aos bancos. Dessa forma, alia-se aos neoliberais Michel Temer, Ilan Goldfajn e Henrique Meirelles, que também tentaram criar os “Depósitos Voluntários Remunerados” quando encaminharam à Câmara dos Deputados o projeto de lei PL 9.248/2017, na tentativa de legalizar tal mecanismo após a ACD mostrar (2) que o mesmo estava ligado à fabricação da crise brutal que enfrentamos até hoje.

A criação dos mesmos “Depósitos Voluntários Remunerados” de que trata o PL 3.877/2020 é projeto também do atual ministro da Economia, neoliberal e banqueiro Paulo Guedes, do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto e de seu presidente Jair Bolsonaro, autores do PLP 112/2019 que inclui essa matéria.

Assim, todos esses projetos – o PL 3.877/2020 (de autoria do Senador Rogério Carvalho do PT/SE), as- sim como o PL 9.248/2017 de autoria de Michel Temer, Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn, e o PLP 112/2019 de autoria de Paulo Guedes, Roberto Campos Neto e Bolsonaro – criam o mesmo mecanismo denominado “Depósito Voluntário Remunerado”, mediante o qual o Banco Central passa a ficar obrigado a pagar remuneração diária aos bancos sem limite, “legalizando” e agravando o “overnight”, isto é, a remuneração da sobra de caixa dos bancos que tem sido feita de forma ilegal, mediante o abuso na uti- lização das chamadas “operações compromissadas”.

Em resumo, as críticas repetem a tecla de “ingenuidade” e superestimam a capacidade de fazer política econômica sem alterar o tripé macroeconômico e sem enfrentar o sistema da dívida. O que – isto sim – é postura ingênua. Vejamos a seguir como esse debate adquiriu contornos adicionais com a entrada de influenciadores digitais na contenda.

O argumento da pretensa ingenuidade da ACD foi reproduzido vastamente por Paulo Gala. Professor de Economia e Finanças da FGV, com passagem como gestor de fundos (atividade típica de banqueiro) e atualmente economista-chefe do Banco Master, publicou em seu canal na Internet vídeo intitulado Os erros da Auditoria Cidadã da Dívida, em 6 de abril de 2020. Gala inicia sua argumentação citando Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff:

como disse meu amigo Nelson Barbosa, no twitter dele, a auditoria cidadã da dívida está para a esquerda assim como a Escola Austríaca está para a direita. São visões extremadas, radicais e que guardam pouca relação com a realidade. Em geral são feitas por pessoas que não são economistas de formação, não são financistas, não entendem os mecanismos econômicos. Então, muitas vezes o que eles propõem pode piorar muito mais a situação, que já é ruim, do que ajudar. Me faz lembrar até do livro do meu amigo Ha-Joon Chang, “Maus Samaritanos”, em que a pessoa na ânsia de ser um bom samaritano acaba virando um mal samaritano.

Note-se o sectarismo contra a ACD. E a tentativa de usar argumento de autoridade como economista, numa visão tecnocrática sobre o conhecimento, o que além de ser conservador do ponto de vista epistemológico, é uma inverdade, afinal a ACD tem em sua equipe e Conselho um conjunto de economistas experientes. Quanto à pecha de “mal samaritano”, esse libelo aparecera também no texto de Guilherme Mello, conforme vimos anteriormente. Mas vejamos as palavras de Gala.

O autor apresenta os seguintes questionamentos: em primeiro lugar, seria fora de propósito o argumento da ACD da falta de transparência no que acontece no processo de

endividamento do Estado brasileiro: “a dívida pública brasileira é totalmente transparente […] você pode fazer uma auditoria permanente, todo dia você pode entrar lá, o BC e o Tesouro vão divulgando tudo que vai acontecendo”. Quando, na realidade, não há informação sobre, por exemplo, os nomes dos verdadeiros beneficiários da dívida, ou sobre as justificativas para as altíssimas taxas de juros estabelecidas supostamente para se combater uma inflação que não é causada por um excesso de demanda, mas por alta de preços administrados pelo próprio governo, e preços de alimentos, que não caem com a alta de juros. Em segundo lugar, o gráfico de pizza mostrando o Orçamento Geral da União seria, nas palavras de Gala, “completamente equivocado, porque ele diz que a gente paga 1 trilhão de reais do orçamento, todo ano, de juros e amortizações [e] […] é evidente que todas as amortizações que a gente paga são compensadas por nova dívida emitida”. Nesse sentido, a metodologia da ACD, segundo o autor, seria marcada por “má fé ou erro técnico”. Tal como os demais críticos mencionados, Gala mostra desconhecimento da burla constante que tem sido feita por meio da contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/artigo-juros-e-amortizacao-a- verdade-por-tras-dos-numeros-por-maria-lucia-fattorelli-rodrigo-avila-e-paulo-lindesay/) Paulo Gala volta a insistir nessa questão em outro momento do vídeo: “então, qual é o erro daquela pizza lá: tudo o que a gente amortiza, a gente toma de volta em dívida”, de modo que o dado correto seriam “500 bilhões de reais de juros e não 1 trilhão de juros e amortizações”. Neste ponto, Gala acredita que o povo recebe algum benefício quando o governo “toma de volta” em dívida, quando na realidade, esses novos empréstimos, que poderiam estar sendo destinados para investimentos sociais, são destinados ao pagamento de juros e amortizações de dívidas anteriores, em grande parte ilegítimas, sem auditoria. Em terceiro lugar, Gala critica a visão da ACD sobre as operações compromissadas, tema abordado também por Mello: “a remuneração das reservas compromissadas a mesma coisa… As reservas bancárias que estão em operações compromissadas equivalem a uma remuneração de reservas bancárias depositadas no Banco Central. Todos os bancos centrais do mundo fazem isso”. Aqui Gala inverte completamente os fatos, pois o FED injeta dinheiro na economia norte-americana (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/operacao-mata-a-economia-brasileira/ ) e o BCE penaliza quem esteriliza moeda e aplica juro negativo (ver: https://auditoriacidada.org.br/banco-central-europeu-considera-um-escandalo-remunerar- sobra-de-caixa-de-banco-ja-no-brasil/ ).

Mas isso não é tudo. Por fim, Gala conclui sua fala voltando à carga com a acusação de que a ACD não possuiria expertise técnica para tratar de economia. E menciona os casos de China e países nórdicos, na atualidade, e de Europa e EUA, nos “anos dourados de

crescimento”, como receita de regulação dos mercados que deveria ser espelhada aqui, não fazendo sentido revisar os processos de endividamento, mas apenas mudar o manejo da política econômica pelo governo federal. Mais uma vez, Gala inverte os fatos, pois os países dominantes usam a dívida pública – quando assim o desejam – para investimentos de interesse social, e não para remunerar a sobra de caixa de bancos e demais mecanismos denunciados pela ACD.

Outro influenciador digital, Humberto Matos – do Canal Saia da Matrix – desferiu virulento ataque contra a ACD, insinuando que a “Auditoria Cidadã da Dívida é uma farsa [SIC] que deseduca a esquerda”. Ávido de cliques e visualizações nas redes, como costuma ser entre alguns dos que se movem pela cultura de influencer, Matos destila impropério sob o manto de uma argumentação lógica. Desconhece as relações de causalidade da dívida. Ela ter trocado sua denominação para moeda nacional não suprime seu liame com o mercado mundial e, portanto, com a dimensão “externa”. Isto se expressa através do que em economia chamamos de passivo externo em reais. Além do mais, a emissão e entrega de moeda nacional para o segmento rentista significa, obviamente, a apropriação por este segmento da riqueza que é produzida pela classe trabalhadora. Mas, desconhecendo essa categoria de análise, ele afirma em tom triunfal: “a ACD argumenta que a dívida brasileira, uma dívida em dólar, foi transformada em dívida pública…”. O vídeo é repleto de outras ilações, as quais, em suma, acentuam pressupostos já rebatidos mais acima e cujas determinações ausentes veremos na seção a seguir. A ACD rebateu essas críticas por meio de um vídeo (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YRk-VjHfPuA&t=10s )

INCONSISTÊNCIAS NA APREENSÃO DO MOVIMENTO GLOBAL DO CAPITAL

Com o exposto até aqui, identificamos duas grandes inconsistências partilhadas pelas diferentes críticas ao movimento da ACD e contra sua metodologia. A primeira consiste em desconsiderar a reprodução do capital social total como unidade de análise, quer dizer a totalidade como instância inescapável do método crítico, para pensar temas como dívida, moeda, orçamento público, política macroeconômica e política social. A segunda, derivada da primeira, desconsidera o caráter da formação econômico-social brasileira como economia dependente. E que, enquanto tal, é atravessada pela dependência financeira – a menos que rompa com o sistema capitalista, pois o Brasil não possui moeda forte, no sentido de moeda que desempenha a prerrogativa da função dinheiro mundial, em termos definidos por Marx; nem determina os movimentos internacionais de capitais, sendo antes afetado pelo que acontece na circulação mundial do capital-dinheiro.

Essas questões estruturais não são sequer abordadas por nenhum dos críticos que tratamos neste artigo, cujos argumentos são construídos ignorando o caráter estrutural do sistema da dívida e das relações de dependência. Não cabe ao pensamento crítico endossar a tese de que a rolagem não impacta no orçamento anual. Entender a questão assim tende a reproduzir uma visão contábil que não é adequada ao método dialético, uma vez que a rolagem envolve a emissão de títulos e o custo do manejo desses títulos varia conforme as oscilações dos preços dos ativos, sob a lógica do capital portador de juros e do capital fictício. De modo que o impacto para esse manejo não se faz sentir apenas no prazo de maturação dos títulos, mas no próprio ano do exercício fiscal.

Essa questão foi amplamente abordada pela equipe da ACD em três artigos, publicados em 2014, 2015, 2017. Em Verdades e mentiras sobre a dívida pública11, de agosto de 2014, a ACD contra-argumentou na forma de perguntas e respostas a crítica segundo a qual boa parte destes 40% do Orçamento no gráfico de pizza “não deveriam ser considerados, pois representam ‘rolagem’ ou ‘refinanciamento’ da dívida”:

MENTIRA. Frequentemente, pessoas ligadas ao governo afirmam que parte destes 40,4% seria apenas “rolagem” ou “refinanciamento” da dívida, ou seja, o pagamento de amortizações (principal) da dívida por meio da emissão de novos títulos (nova dívida). Portanto, isto seria apenas uma troca de títulos velhos por novos, não representando custo para o país. Porém, a recente CPI da Dívida realizada na Câmara dos Deputados revelou que grande parte desta “rolagem” ou “refinanciamento” contabilizada pelo governo não representa pagamento de principal, mas sim o pagamento de juros. Portanto, a capacidade de endividamento do país está sendo utilizada para pagar juros e encher o bolso dos bancos, ao invés de, por exemplo, financiar a melhoria da saúde, educação, transportes, etc.

Esse mesmo procedimento foi justificado metodologicamente pela equipe da ACD em novo documento, de outubro de 2015. Naquele ano, o Orçamento Geral da União, segundo a ACD, teve 47,36% destinados para o sistema da dívida. Refutando novamente o questionamento, foi sublinhado que “não procede tal argumentação, tendo em vista que o governo vem contabilizando grande parte dos juros como se fosse ‘amortização’, ‘refinanciamento’, ou ‘rolagem’. O mais grave é que o governo não divulga qual parte dos juros está sendo contabilizada como ‘amortização’, ‘refinanciamento’, ou ‘rolagem’, o que impede a transparência do verdadeiro custo do endividamento público brasileiro”. 12 E prossegue: “assim, na realidade, grande parte da chamada ‘rolagem’ é, na verdade, pagamento de juros. Por essa razão, em nosso gráfico somamos as rubricas indicadas nas linhas 2 (‘juros e encargos da dívida’) e 6 (‘amortização/refinanciamento da dívida’)”.13

  1. O título sugere resposta ao texto de Bruno Cava e outros.

  2. Auditoria Cidadã da Dívida. Mentiras e verdades sobre a dívida pública – Parte 2. 4 de outubro de 2015.

  3. Ibid.

Finalmente, na Parte III do “Mentiras e verdades”, de 2017, a nota – assinada pelo economista Rodrigo Ávila – traz elementos adicionais14: “o gráfico que retrata o Orçamento Geral da União elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida (em formato de pizza) tem recebido críticas de pessoas ligadas ao mercado financeiro (de forma explícita ou não) e também por outras pessoas que acabam repetindo tais críticas”. A inclusão do complemento “outras pessoas que acabam repetindo tais críticas” aplica-se a pesquisadores identificados com a esquerda, mas que apresentam os mesmos argumentos nesse aspecto.15 Conforme reiterou Rodrigo Ávila:

Aqueles que desejam confundir a sociedade dizem que “o gráfico de pizza da Auditoria Cidadã da Dívida está equivocado, pois contabiliza juros e amortizações da dívida pública pagos com recursos obtidos por meio de novos empréstimos”. Porém, esta parcela dos juros e amortizações da dívida deve sim ser contabilizada, pois tais novos empréstimos poderiam – e deveriam – servir, principalmente – para financiar investimentos sociais, e não para pagar juros e encher o bolso dos bancos. Portanto, a Auditoria Cidadã da Dívida não condena de forma geral a dívida pública ou o “déficit público”, mas sim, o “déficit público” ou a dívida feitos para financiar o pagamento de juros sobre juros. Já os empréstimos destinados para investimentos sociais geram desenvolvimento econômico, aumentando a arrecadação, e gerando, portanto, a própria capacidade de pagamento desta dívida (obviamente com taxas de juros muito mais baixas que as atuais, ou até negativas, como em alguns países desenvolvidos). Por outro lado, os empréstimos tomados para pagar juros só geram novas dívidas, cujos juros terão de ser pagos com mais dívidas, e gerando estagnação econômica, aumentando a parcela do orçamento destinada para o pagamento de juros e amortizações.

E prossegue o economista:

Outra mentira (geralmente associada à anterior) é que “o gráfico de pizza está errado, pois inclui a chamada “rolagem” da dívida, ou seja, as amortizações (principal da dívida) pagos por meio da emissão de novos títulos, e isso seria apenas uma troca de títulos antigos por novos”. Porém, a “rolagem” deve ser considerada, pois o governo faz a artimanha de contabilizar grande parte do pagamento de juros (centenas de bilhões) como se fosse rolagem. Para maiores detalhes sobre esta artimanha, consultem a página http://www.auditoriacidada.org.br/wp- content/uploads/2013/11/Parecer-ACD-1-Vers%C3%A3o-29-5-2013-com-anexos.pdf

Além do mais, não há transparência sobre o montante de juros pagos, pois a maior parte deles aparece, nos demonstrativos do Tesouro Nacional, misturada ao dado referente ao “refinanciamento” ou “rolagem” da dívida. Em 2017, por exemplo, dos quase R$ 1 trilhão gastos com juros e amortizações da dívida pública, o governo alega que R$ 458 bilhões corresponderam à chamada “rolagem”, enquanto foram pagos de juros apenas R$ 203 bilhões, mesmo em um ano no qual o custo médio da dívida federal foi de 10,29% ao ano (segundo o Tesouro), incidentes sobre um estoque inicial de R$ 4,509 trilhões. Isso resultaria em um pagamento de juros próximo à faixa dos R$ 464 bilhões, e não de apenas R$ 203 bilhões. Portanto, estimamos que cerca de R$ 261 bilhões foram retirados da conta de juros e misturados à chamada “rolagem”. Desta forma, eliminando-se esta artimanha contábil, o resultado final se inverte completamente: dos cerca de R$ 1 trilhão de juros e amortizações da dívida pública, somente R$ 197 bilhões corresponderiam à chamada “rolagem”.

Além do mais, a “rolagem” também representa um custo efetivo, pois a todo momento surgem dívidas novas com graves indícios de ilegitimidade (como dívidas feitas para se cobrir operações

  1. Disponível em: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/mentiras-e-verdades-sobre-a-divida-publica-parte-3/. Atualizada em abril de 2018.

  2. Entre autores de referência no Serviço Social, Evilásio Salvador (2017) questionou a inclusão da rolagem no cômputo das despesas financeiras no orçamento público, chegando a uma série histórica que aponta entre 25% e 30% o montante que seria apropriado pelo sistema da dívida e não em torno de 40%, como aponta a ACD. Behring (2021) também cita os dados utilizados por Salvador, endossando-os. Destacados intelectuais na defesa cotidiana do fundo público, terminaram utilizando o critério que exclui a rolagem…, embora reivindiquem a bandeira da auditoria.

financeiras como “swaps” e vários outros mecanismos financeiros que beneficiam grandes investidores), e os empréstimos que são tomados para se “rolar” tais dívidas poderiam sim estar sendo utilizados para investimentos sociais.

E conclui nos seguintes termos:

Importante ressaltar também que grande parte das amortizações (pagamento do principal da dívida) é paga com recursos que nada tem a ver com a emissão de novos títulos da dívida, como o recebimento de juros e principal das dívidas dos estados e municípios com a União (que também estão repletas de ilegitimidades), lucros do Banco Central, lucros das estatais, dentre outros. Portanto, é absurdo achar que o custo da dívida envolve somente os juros divulgados pelo Tesouro.

Ora: ainda que, suponhamos, metade da rolagem não fosse o pagamento de juros, qual o efeito da emissão de novos títulos no manejo da política macroeconômica e, pari passu, da política fiscal? Como se coloca a relação com os swaps cambiais e o passivo externo líquido? Essa é uma pergunta que nenhum dos críticos faz. E a resposta aponta, antes que a fragilidade, a pertinência do procedimento da ACD, que demonstrou cabalmente a relevância dos juros na formação de todo o estoque da dívida, usando dados publicados pelo Banco Central e comprovando que os juros nominais superam o estoque da dívida liquida do setor público (ver: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/juros-altos-explodem-a- divida-publica-e-amarram-a-economia/ ). Procedimento que reivindicamos, pois coaduna-se com nossa compreensão a respeito do novo caráter da dependência, marcado na fase da mundialização do capital pela integração financeirizada entre mercado de crédito e mercado de títulos, a qual engendrou uma nova cisão do ciclo reprodutivo do capital nas economias dependentes: a cisão entre a funções capital-dinheiro e dinheiro mundial. Portanto, defender que a dívida seja auditada e novas dívidas sejam geradas de maneira subordinada à finalidade social são bandeiras que a esquerda e a intelectualidade crítica precisam assumir como suas.

CONCLUSÃO

Diante da sangria do fundo público sob a égide do sistema da dívida, a consigna que se apresenta, em matéria de alternativa de política econômica, não deve ser o dilema ou redução dos juros ou auditoria da dívida. São ambos os instrumentos, conjugadamente, também, com uma reforma tributária que taxe as grandes fortunas e inverta a carga tributária desigual e regressiva vigente no Brasil, medidas todas essas que a ACD defende em suas propostas para a sociedade brasileira.

No século XXI, sob o novo caráter da dependência, não se pode abrir mão de enfrentar essas questões. Sem abordá-las de modo consequente não será possível lutar contra as

mazelas do capitalismo de forma duradoura. O tempo urge. Nesse mesmo sentido, dizemos que o sistema da dívida acirra as próprias possibilidades de lançar mão de políticas sociais, diante da barbárie contemporânea. É necessário apresentar respostas para os efeitos e as causas da questão social. E em um país de capitalismo dependente como o Brasil, enfrentar o sistema da dívida consiste de uma bandeira programática inescapável para a realização de transformações estruturais.

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